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"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Manuel Serra

Inserido num ciclo dedicado às comemorações dos 50º Aniversário do 25 de Abril, o Terra da Fraternidade divulga micro- biografias de algumas dos católicos com um papel de destaque no combate ao regime fascista e conquista da democracia.
Todas as micro-biografias são extraídas da tese de Doutoramento de Edgar Silva: "Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP."

"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Manuel Serra

MANUEL SERRA – Manuel Serra nasceu em 1931 e faleceu a 31 de janeiro de 2010, em Lisboa. Formado na escola da JOC – Juventude Operária Católica, opôs-se à ditadura instalada em Portugal antes do 25 de Abril de 1974, participou em revoltas armadas e foi preso político. Manuel Serra dirigiu o chamado “Golpe da Sé”, em 11 de março de 1959, e participou na organização do «Golpe de Beja», em 1 de janeiro de 1962. Manuel Serra, nos primeiros anos da década de 1950, integrou a redação do jornal Juventude Operária, sob o pseudónimo de «Manser». Depois da Revolução de Abril foi um dos fundadores do Movimento Socialista Popular, que se integrou no PS, e foi um dos promotores da Frente Socialista Popular, tendo saído do PS, em janeiro de 1975. Em 1980 esteve na origem da Força de Unidade Popular.

Manuel Serra esteve, desde muito cedo, imbuído de um profundo sentido revolucionário. Fez parte de sectores do catolicismo que poderemos classificar como de um “catolicismo atuante”. Daquela cultura política fizeram parte destacados ativistas com forte ligação à Ação Católica, de entre os quais se destacaram dirigentes como, Manuel Chaparro, Carlos Alberto Oliveira, João Gomes, Mariano Calado, Manuel Bidarra e José Bidarra, que protagonizarão iniciativas para dar força material à missão de intervir para alterar a sociedade portuguesa.

Daquela intervenção da militância católica resultaram exigências de natureza política ou de alteração do regime de Salazar e Caetano. Aqueles católicos desencadearam iniciativas de crítica política ao fascismo, subscreveram fundamentais documentos públicos, entre 1958 e 1959, através dos quais desenvolveram críticas frontais ao Estado Novo e à subserviência da Igreja Católica, sobre os serviços de repressão do regime, sobre os direitos políticos em Portugal.

Alguns daqueles mais destacados militantes católicos participaram na campanha de Humberto Delgado, em 1958; estiveram na base do «Golpe da Sé» e no «Golpe de Beja»; foram presos políticos; experimentaram as perseguições e foram atingidos pela política repressiva do regime de Salazar e Caetano.

Neste contexto, Manuel Serra integra-se no universo dos “católicos da revolução” que definiram a indispensabilidade de organizar a revolução através da luta armada. Assim foi com o “Golpe da Sé” e com o “Golpe de Beja”.

Contando com o envolvimento dos referidos sectores católicos, a 11 de março de 1959, foi lançado o chamado «Golpe da Sé». Com ligação a sectores do catolicismo social, é atribuída relevância organizativa naquela revolta, para além de Manuel Serra, a Gonçalo Ribeiro Telles, membro da Juventude Agrária Católica (JAC), de que foi um dos fundadores e seu presidente, e ao capitão João Varela Gomes. Este último viria a ser dirigente militar do «Golpe de Beja», em 1962, em que um núcleo dinamizador dessa movimentação viria a ser constituído também por católicos, para além de Manuel Serra, entre outros, pelo advogado Francisco Sousa Tavares e pelo capitão Nuno Vaz Pinto.

Do «Golpe da Sé» resultará a detenção de alguns dirigentes de movimentos católicos como Manuel Serra, João Gomes, presidente da JOC, José Hermínio Bidarra de Almeida, da JUC, Armando Bento dos Santos e do padre João Perestrelo de Vasconcelos (1).

Um período mais longo de prisão para Manuel Serra surgiu na sequência do fracassado «Golpe de Beja». Manuel Serra tentara esconder-se no sul do país, mas acabou por ser detido em Tavira. Seguiu-se então um período de prisão política de grande violência, com tortura de sono e espancamentos, um julgamento com condenação a dez anos de prisão e longas estadias em Peniche e em Caxias. Liberto no início de 1972, foi ainda detido por um outro curto período em novembro de 1973.

Manuel Serra é um dos “católicos da revolução” que nos avivam a memória de como houve, em face da ditadura de Salazar e Caetano, um ciclo de militância dos cristãos que se compreendeu como sendo da “esquerda católica”, cujos enraizamentos históricos importam ser identificados, que elaborou um discurso estruturado sobre a violência armada para o derrube da ditadura. Esses setores do catolicismo planeavam a superação revolucionária do Estado Novo por uma via que considerava indispensável a força das armas.

Para a transformação da sociedade, para a resolução das desigualdades e para a edificação do “Homem Novo”, aqueles católicos inseriram-se em organizações que queriam realizar ações armadas, como estratégia e com fins políticos.

Assim, o percurso de vida de Manuel Serra ajuda-nos a situar no tempo como durante a ditadura fascista, em Portugal, se foi processando a radicalização política de relevantes setores católicos. Tais trajetórias da militância católica foram-se densificando sob a influência de um “catolicismo revolucionário”, onde, por consequência teológica e política, se colocava a opção pela luta armada contra a ditadura.

Portanto, de entre os “católicos da revolução” dissociaram-se católicos que em Portugal interpretaram o carácter violento da revolução, a necessidade da violência revolucionária, da insurreição armada para alterar a sociedade, mudar de política, instaurar um sistema alternativo.

30/12/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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(1) Cf. IAN/TT, PIDE/DGS-P. 369/59, Tentativa de golpe de Estado; PIDE/DGS-P. 730/GT Manuel Serra.; Fórum Abel Varzim-Desenvolvimento e Solidariedade – Golpe da Sé. Três protagonistas, três testemunhos; SOA- RES, Mário – Portugal Amordaçado. Depoimento sobre os anos do fascismo. Lisboa: Arcádia, 1974, p. 262-270.

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