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Alípio de Freitas: um padre da revolução

Inserido num ciclo dedicado às comemorações dos 50º Aniversário do 25 de Abril, o Terra da Fraternidade divulga micro- biografias de algumas dos católicos com um papel de destaque no combate ao regime fascista e conquista da democracia.
Todas as micro-biografias são extraídas da tese de Doutoramento de Edgar Silva: "Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP."

Alípio de Freitas: um padre da revolução

Houve setores do catolicismo que, na história contemporânea, optaram pela superação revolucionária do regime político em que viviam. De entre esses “católicos da revolução” que defenderam a transformação da sociedade, alguns desses percursos políticos incluíram a luta armada. O Pe. Alípio de Freitas reporta-nos para essas experiências históricas de católicos portugueses, como noutros casos, na diáspora, na construção do socialismo e do comunismo.

Alípio Cristiano de Freitas nasceu em Bragança, a 17 de fevereiro de 1929. Em 1940, com 11 anos, entrou para o Seminário de Vinhais e seria ordenado padre, no Seminário Maior de S. José, Bragança, em 1952.
Fora do Seminário, ainda aluno, será pela mão de Tita, um camionista de Vinhais seu amigo, militante comunista, que terá acesso ao clandestino jornal Avante!, do Partido Comunista Português, e, depois, a alguns escritos de Marx, como o “Manifesto Comunista”.

Já ordenado padre, foi nomeado capelão da Misericórdia de Bragança, subdiretor do jornal Mensageiro, vigário nas aldeias de Rio de Onor, Petisqueira, Beirão e Miramia, nos contrafortes da Serra de Montesinho. E foi professor do Patronato das Artes e Ofícios, em Bragança.

Em 1957, aceitou o convite do Arcebispo de São Luís do Maranhão para exercer a atividade pastoral no Brasil. Começou por dar aulas na Faculdade de Filosofia de São Luís do Maranhão (hoje, Universidade Federal do Maranhão) onde foi capelão. Passou a intervir na imprensa local, participou em processos de alfabetização e em aulas noturnas a trabalhadores.

Entretanto, foi nomeado pároco e decidiu morar no Bairro da Floresta, um dos mais pobres de São Luís, numa casa de pau a pique – ripas de madeira unidas a barro, chão de terra com cobertura de folhas de palmeira, sem água nem luz. Ali, entre 1957 e 1962, na linha do catolicismo social, apoiou a criação do posto médico, da escola e da sala de corte e costura, colaborou na formação da associação de camponeses que lutavam pelo direito à terra.

A vida do Pe. Alípio, entre outras vertentes, viria a ser marcada pela consequente luta pela reforma agrária no Brasil. Está associado à organização do movimento camponês no Norte e Nordeste do Brasil. No ano de 1958 participou da fundação da Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão, juntando-se às Ligas Camponesas no ano de 1960. Foi membro do Secretariado Nacional das Ligas Camponesas.

Solidário com as reivindicações das populações de São Luís do Maranhão foi um dos organizadores de associações de moradores, num movimento por melhores condições de vida e pelos direitos sociais.
Passou a ter ligação direta com o meio operário, tomou partido pela luta operária e sindical, tendo cooperado na formação de uma união de sindicatos. O Pe. Alípio foi então assistente da Juventude Operária Católica e da Ação Católica Operária.

Na sequência da inserção nos lugares dos mais pobres viria a firmar o seu compromisso com a luta dos camponeses pobres do Brasil. Ante o intolerável da pobreza, através da sua imersão no mangue, enraizado com os sem terra, cresceu a sua politização.

A ousadia do seu compromisso social e o ideário da “igreja-povo”, no desenvolvimento de uma teologia da encarnação, geraram incompreensões e o Arcebispo de S. Luís do Maranhão retirou-o da paróquia.
No Brasil, Alípio tomou partido contra a ditadura de Salazar e Caetano, participou em diferentes atividades políticas contra o Estado Novo português, como aconteceu na receção a Humberto Delgado.

Quando os comunistas brasileiros preparavam a sua delegação ao Congresso Mundial pelo Desarmamento Mundial e pela Paz, que teria lugar, entre 9 e 14 de julho de 1962, na União Soviética, o Pe. Alípio de Freitas foi convidado para aquele encontro. A sua participação no Congresso de Moscovo, organizado pelo Conselho Mundial da Paz, provocou duras críticas por parte da hierarquia católica. Naquele contexto consumou-se o afastamento daquele padre em relação à instituição diocesana. Nessa sequência, teve impacto, em jeito de resposta pública do Pe. Alípio, a “Carta Aberta ao Arcebispo de S. Luís do Maranhão”, difundida pela imprensa no Brasil: “Perdi um pequeno púlpito, mas ganhei todas as praças”.

A 16 de julho de 1962, o Pe. Alípio de Freitas, em entrevista ao Diário de Notícias do Rio de Janeiro, afirma que a «adesão ao evangelho obriga a posições revolucionárias».

Naquele ano, irá para o Rio de Janeiro, onde estará na fundação da Federação das Associações de Favelas do Estado de Guanabara, da qual foi presidente. Ao mesmo tempo, continuou a colaborar com as Ligas Camponesas, de que foi o último secretário-geral.

Alípio integrou a constituição da nova organização política “Ação Popular”, que congregava sectores do chamado “catolicismo radical” que no Brasil pretendiam, através da luta revolucionária, a edificação de uma nova sociedade com justiça social. Participou no debate político sobre a construção do socialismo e acerca da construção teórica relativamente à luta armada. A sua análise dos problemas a partir da interpretação ética elaborada como católico reuniu contributos com repercussão internacional, através de artigos e entrevistas publicadas na imprensa no Brasil analisando a legitimidade das formas de luta contra a violência institucionalizada na sociedade e contra a injustiça estrutural.

Naquele quadro político, a sua intervenção organizada levou a que fosse preso, ainda em 1962, na campanha para eleição do Governador de Pernambuco, quando apoiou o candidato Miguel Arraes. O mesmo aconteceu a 2 de abril de1963, em João Pessoa, na evocação do líder camponês João Pedro Teixeira pelo 1.º aniversário da morte.

Quando se avizinhava a ditadura militar, foi Secretário Executivo da Frente da Mobilização Popular, que agrupava várias organizações de esquerda, liderada por Leonel Brizola.

Em fase do golpe militar de 1 de abril de 1964, Alípio de Freitas pediu asilo na Embaixada do México, país para onde seguiu e onde esteve cerca de dois meses, colaborando com a revista Siempre!, tendo, posteriormente, conseguido acolhimento em Cuba, onde estabeleceu ligações políticas, treino militar e ganhou proximidade com Fidel de Castro e Che Guevara.

Durante os dois anos em Cuba, entre 1964 e 1966, depois da preparação militar e política, regressou clandestinamente ao Brasil, com breve passagem pela Argentina e pelo Chile.

Voltar naquela época ao Brasil fazia parte de um processo de combate político e daquela que era a perspetiva da “Ação Popular”: organizar a resistência contra a ditadura, designadamente em torno da luta armada. Alípio de Freitas participou da direção e deflagração da luta armada contra o regime militar. Organizou campos de guerrilha em Goiás e Mato Grosso. O objetivo era formar um "exército popular" e derrubar o regime.

A crítica maoísta à “Ação Popular” e as conexas divergências ideológicas quanto às etapas e meios necessários à luta revolucionária, principalmente em torno das conceções sobre a luta armada, levaram Alípio de Freitas, em 1968, a fundar, com outros dissidentes, o PRT - Partido Revolucionário dos Trabalhadores, de que se torna dirigente. Nessa condição foi preso em 18 de maio de 1970. Como foi notícia no Jornal do Brasil (30 de maio de 1970): Alípio Cristiano de Freitas, fora detido a mando das autoridades militares na «sua condição de revolucionário profissional e integrante do Comando Nacional do PRT», organização que se encontrava em fase de iniciação, «cujo objetivo final seria a construção do socialismo e do comunismo no Brasil».

Alípio de Freitas seria então condenado pela justiça militar no processo em que é preso, mas também por processos anteriores a 1964, a que vão acrescer condenações administrativas em diversas Auditorias Militares, que totalizaram uma pena de prisão de cerca de 150 anos. Conhecerá as prisões de Tiradentes, Carandiru, Santa Cruz, Bangu, Frei Caneca, Ilha Grande e Hélio Gomes, além dos calabouços do DOI-CODI e do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social.

Contudo, Alípio foi libertado da prisão de Frei Caneca, no Rio de Janeiro, em 17 de fevereiro de 1979. Saiu da prisão graças a campanhas internacionais de denúncia do seu caso e aos movimentos de solidariedade que se formaram, em que a canção ‘Alípio de Freitas’, desempenhou um papel importante. Zeca Afonso gravou, em 1976, a canção Alípio de Freitas, no disco Com as Minhas Tamanquinhas.

Logo depois da prisão, publicou a denúncia da brutalidade da violência nas prisões, as violações dos Direitos Humanos e a sua experiência prisional: “Resistir é Preciso – Memória do tempo da morte civil do Brasil”. Rio de Janeiro: Recorde,1981.

Depois de deixar o Brasil, Alípio de Freitas mudou-se para Moçambique, em 1981, onde se dedicou como cooperante a projetos de apoio a camponeses e de desenvolvimento comunitário. Mais tarde, retornou a Portugal e integrou-se, como jornalista, na equipe de profissionais da RTP, para além de ter atuando em diversos movimentos sociais.

Alípio de Freitas, com 88 anos, faleceu no dia 13 de junho de 2017.

4/08/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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