"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Orlando de Carvalho
Inserido num ciclo dedicado às comemorações dos 50º Aniversário do 25 de Abril, o Terra da Fraternidade divulga micro- biografias de algumas dos católicos com um papel de destaque no combate ao regime fascista e conquista da democracia.
Todas as micro-biografias são extraídas da tese de Doutoramento de Edgar Silva: "Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP."
CARVALHO, Orlando de - nasceu em Santa Marinha do Zêzere, Baião, distrito do Porto, a 1 de dezembro de 1926 e faleceu na mesma localidade a 26 de março de 2000. Licenciou-se na Universidade de Coimbra em Ciências Histórico-Jurídicas (1948) e em Ciências Político-Económicas (1949); doutorou-se pela mesma Universidade em 1968. Em 1949, contratado como assistente pela sua Faculdade, o seu contrato foi suspenso, meses depois, pelo governo, devido ao seu apoio à candidatura à Presidência da República do general Norton de Matos. Foi preso político entre 1961 e 1962, como também foi candidato à Assembleia Nacional nas listas oposicionistas. Depois do 25 de Abril foi membro da Comissão Nacional do MDP-CDE e foi nessa qualidade que integrou o I Governo Provisório, como Secretário de Estado da Reforma Educativa.
Da militância católica, Orlando de Carvalho em Coimbra foi membro do CADC – Centro Académico de Democracia Cristã, a cuja direção pertenceu, em 1944-1945, e foi dirigente da publicação daquele organismo católico, a revista Estudos, que dirigiu em 1946-1947. Em 1956, Orlando de Carvalho presidiu, em Coimbra, à sessão pública no final do “Dia de Solidariedade com o Povo Húngaro”. Participou, mais tarde, nas comissões organizadoras dos três Encontros de Teologia para Leigos, em Coimbra (1964, 1966 e 1967), e esteve nos primórdios da revista O Tempo e o Modo (1963). Na sequência do compromisso cívico e político de sectores do catolicismo em Portugal com posicionamentos de confronto crítico com o regime de Salazar e Caetano, Orlando de Carvalho subscreveu diversos documentos públicos - designadamente, a Carta a Salazar sobre os serviços de repressão do regime, de 1 de março de 1959, dos 45 católicos.
Orlando de Carvalho também participou ativamente na dinamização do movimento da paz, tendo sido membro do Conselho Mundial da Paz e do Conselho Português para a Paz e Cooperação.
Na sessão de 30 de março de 2000 da Assembleia da República, foi emitido um voto de pesar pelo seu falecimento, onde se afirma: «O Professor Orlando de Carvalho viveu para a investigação e a docência do direito comercial e civil, ciência em que atingiu o mais alto nível nacional e internacional.
Foi, além disso, e desde os seus tempos de estudante, um homem de ideias, convicções e causas, a que emprestou a fogosidade da sua oratória e o dinamismo do seu empenhamento cívico e político.
Sem contradição, antes em confirmação, dessas características da sua forte identidade, revelou-se ainda um sensível poeta, com obra publicada.
A Universidade de Coimbra perdeu um Ilustre Professor; a ciência jurídica perdeu um dos seus cultores mais distintos» (1).
Em consonância com a sua militância católica, Orlando de Carvalho assumiu um corajoso compromisso de participação política durante o chamado “Estado Novo português”, integrando diversos movimentos e “frentes unitárias” na luta por objetivos coletivos, visando a conquista dos direitos políticos e sociais, procurando a instauração da democracia em Portugal. Na continuidade de precedentes ensaios da “escola do frentismo”, o MUD e o MUD Juvenil tiveram católicos como apoiantes e, de entre eles, alguns destacados dirigentes, como José Vieira da Luz (militante que exercia funções dirigentes na Ação Católica); Francisco Veloso (membro do CADC de Coimbra, foi apresentado nas eleições de 1945 como apoiante do MUD); Francisco Lino Neto, foi um dos protagonistas do militantismo católico a assumir, a partir dos anos 50, uma clara contraposição ao regime de Salazar e Caetano; o Pe. Joaquim Alves Correia, sacerdote da congregação do Espírito Santo, constituiu uma das marcantes adesões de membros da Igreja Católica àquele movimento oposicionista; outros católicos, como João Sá da Costa e o seu primo Fernando Ferreira da Costa, aderiram ao MUD Juvenil, eles que estavam associados à publicação dos Cadernos Metanoia (animadores de um projeto de renovação do catolicismo em Portugal); para além da participação de Luísa da Costa Dias, também Sebastião José de Carvalho, considerado um monárquico liberal, e, logo depois, Orlando de Carvalho, assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, este último com maior intervenção na candidatura do General Norton de Matos contra o Presidente Carmona, conjuntamente com alguns militantes da JOC, dão-nos conta da inclusão de ativistas católicos em processos que entroncam na força motriz emanada da “escola do frentismo”, com movimentos políticos que não só ambicionavam manter viva a chama da contestação ao regime, mas também procuravam afirmar a democracia e antecipar a derrota do salazarismo.
As dinâmicas unitárias estender-se-ão pelos anos de 1960, desde logo, na constituição da CDE. A confluência de comunistas e de católicos terá na formação das Comissões Eleitorais, nos entendimentos na formação de listas oposicionistas e, em particular, nas eleições de outubro de 1969, uma significativa expressão de convergência. Essas eleições expuseram uma fratura na oposição - de um lado socialistas de Mário Soares, na CEUD, e do outro a CDE, pois a oposição, apesar de ter elaborado em quase todo o País listas unitárias de composição diversa, mas únicas da CDE, em três distritos (Lisboa, Porto e Braga) apresentaram-se ao sufrágio duas listas de oposição. Nessas duas coligações divergentes de correntes oposicionistas foi expressiva a presença de comunistas e católicos juntos na CDE.
Para além de quantos eram católicos e militantes do PCP, durante a ditadura de Salazar e Caetano, com católicos com intervenção pública em movimentos e organizações da Igreja Católica o PCP tratou de estabelecer formas de comunicação ou de ligação, mais ou menos informal, como uma das linhas de criação de elos com a sociedade portuguesa, para a compreensão de problemas e para eventuais práticas de influência, direta ou indireta. Por essa via, procurou o PCP, quando possível e com os condicionamentos políticos existentes, arquitetar espaços de contacto, ligações, em que a confiança pessoal e política pudesse acontecer, como terá sido, entre outros, o caso de Orlando de Carvalho, Francisco Pereira de Moura, José de Sousa Esteves, Pe. José Soares Martins, Helena Policarpo, J. Pinto Correia. Por essa via, ensaiou o PCP as chamadas “alianças pela base”, assentes em ligações pessoais com católicos dos movimentos sociais, a partir de questões concretas, na colocação dos direitos sociais e políticos, na reivindicação das liberdades e da democracia, como se verificou com Manuel Lopes ou Emídio Martins, no movimento sindical, ou com Helena Cidade Moura e Maria Eugénia Varela Gomes, nos movimentos pela paz ou em defesa dos presos políticos.
Portanto, a compreensão daqueles processos para o pensamento dos comunistas fundamentava-se numa determinada leitura de base revolucionária, que visava o derrubamento do regime de Salazar e Caetano. E a perspetivação do diálogo pretendido pelo PCP com “os católicos” e das consequentes formas de convergência social e política durante o Estado Novo inseriam-se numa fundamentação da teoria da revolução.
Quer fosse através da criação dos “comités de Unidade Nacional” para dirigir a luta contra o regime e a sua fascização ou para promover a democracia, quer em comissões eleitorais ou em coligações oposicionistas, quer no domínio sindical, quer noutras lutas conjuntas, verificou-se uma ação de aproximação e de formas de aliança, que remontam a processos ancestrais, com efeito crescente na passagem dos anos 60 para os anos 70, no século XX. Para a linha de direção política do PCP aquela seria uma via estratégica para fazer acontecer a Revolução.
Como “católico da revolução”, até ao período revolucionário vivido em Portugal, Orlando de Carvalho tem um longo percurso de vida que testemunha quanto cultivou uma cultura de alianças políticas e a convicção de que a revolução seria a via para derrubar a ditadura de Salazar e Caetano.
Sem que fosse militante do PCP, enquanto católico consequente, foi apoiante inequívoco da dinamização de mediações unitárias e da necessidade de se criarem convergências na ação, com a militância comunista e com o PCP, para transformar a sociedade portuguesa.
17/10/2024
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.
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(1) Arquivo da Assembleia da República - VOTO N.º 61/VIII DE PESAR PELO FALECIMENTO DO PROF. DOUTOR ORLANDO DE CARVALHO, CATEDRÁTICO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/08/01/019/2000-04-01?sft=true#p90