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"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Maria do Céu Ferreira

Inserido num ciclo dedicado às comemorações dos 50º Aniversário do 25 de Abril, o Terra da Fraternidade divulga micro- biografias de algumas dos católicos com um papel de destaque no combate ao regime fascista e conquista da democracia.
Todas as micro-biografias são extraídas da tese de Doutoramento de Edgar Silva: "Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP."

"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Maria do Céu Ferreira

Edgar Silva foi padre e é investigador no Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e dirigente do PCP.

Maria do Céu Ferreira - natural de Gouveia, na Guarda, onde nasceu a 10 de novembro de 1946. Foi militante da JOC, foi a primeira mulher eleita Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Setor Têxtil da Beira Alta e foi a Coordenadora da União dos Sindicatos da Guarda. Pertenceu à BASE e foi dirigente da CGTP-IN. É militante do PCP.

Maria do Céu Ferreira destacou-se, no final dos anos de 1960, como mulher lutadora pelos direitos dos trabalhadores na indústria de lanifícios, em Gouveia, num processo de afirmação de consciência social e política formada no movimento operário católico, na Ação Católica.

Das lutas operárias desencadeadas na indústria de lanifícios resultou uma candidatura, nos tempos do fascismo português, à direção do sindicato corporativo onde os militantes da JOC tiveram um papel decisivo e de entre eles, em especial, Maria do Céu Ferreira, que em entrevista nos relatou a construção das lutas operárias e enalteceu a importância do apoio solidário e do acompanhamento próximo garantido por outros destacados dirigentes sindicais da Ação Católica. No andamento daquelas lutas pelos direitos laborais, pela primeira vez, uma lista oposicionista se conseguirá candidatar ao Sindicato Nacional e vencer.

Em ofício interno da PIDE/DGS, fazendo parte de um relatório interno enviado ao Diretor-Geral de Segurança, em 27 de julho de 1970, sobre o processo eleitoral no Sindicato Nacional da Indústria de Lanifícios de Gouveia, é curioso verificar os termos em que a polícia política caracterizava e reconhecia a coragem e a ousadia militante desenvolvida por Maria do Céu Ferreira: «Tenho a honra de informar a V. Exa. que para a nomeação dos Corpos Gerentes do Sindicato Nacional da Indústria de Lanifícios de Gouveia, que servirão no triénio 1970/1973, realizaram-se eleições no dia 26 do mês corrente, daí resultando que, por grande maioria, fosse eleita a Lista-B, [...].

De anotar que é a primeira vez que no Sindicato Nacional da Indústria de Lanifícios de Gouveia surgiu uma lista de oposição, na qual se encontram incluídos alguns indivíduos tidos como católicos progressistas, ligados à J.O.C., com certa sujeição aos chamados padres progressistas.

Esta lista foi proposta por 199 associados os quais subscreveram a relação de que junto cópia, entre eles figuram indivíduos – assinalados com a) – já identificados e referidos nos ofícios confidenciais nº 917/69-S. Central e 556/67 – S.C. – G. T.570».

Reportando-se à indústria laneira, setor em que era maioritariamente predominante a influência da militância católica nas lutas operárias, a PIDE/DGS aponta como maiores responsáveis por aqueles processos os membros da JOC. Em relatório datado de 15 de julho de 1969, a PIDE/DGS analisa e identifica responsáveis por lutas operárias na «Sociedade Industrial de Gouveia», em Gouveia, pelo pagamento de horas extraordinárias. De acordo com aquele relato quem encabeçava aquele processo reivindicativo e de luta eram «António Garcia Marques, “O Rasteiro”, elemento do “p.c.p.” que em tempos e em Gouveia foi cabecilha de outra greve na firma BELINOS», Américo Marques da Cunha, José Paulo Júnior, António dos Santos Madeira e Maria do Céu Ferreira de Jesus.

De entre aquele grupo destacado pela observação policial, particular referência fora atribuída a Maria do Céu Ferreira: «era constante a ameaça de irem para “GREVES” sendo a Maria do Céu portadora de esboços de como as mesmas deviam ser feitas». Escreveu ainda a PIDE/DGS que «nas averiguações complementares a que se procedeu chegou-se à conclusão de que a quase totalidade dos operários estão ligados à “JOC” e têm sido orientados pelos padres». Nessa mesma acusação foram identificados os padres que influenciariam lutas pelos direitos dos trabalhadores naquela área: Manuel Canaveira de Campos, Octávio Gil Morgadinho e, embora noutra zona, em Famalicão da Serra, o Pe. José Martins Registo» .

Estavam em causa neste quadro da sociedade portuguesa processos e dinâmicas sociais que se tornarão determinantes na luta pela democracia. De acordo com F. Canais Rocha, «é nos finais da década de 60 que os trabalhadores portugueses partem ao assalto dos SN [Sindicatos Nacionais], fundam a Intersindical e dão corpo ao Movimento Sindical Unitário, cuja contribuição para o derrubamento do regime fascista não pode ser ignorada» . E nestes processos Maria do Céu Ferreira, dirigente da JOC e militante do PCP, esteve na vanguarda, na linha da frente do catolicismo social, antes da Revolução de Abril, e na dinamização do movimento sindical, antes e depois de 1974.

Esses setores católicos não eram considerados nas chamadas “frentes unitárias” como aliados por conveniência tática ou apenas em virtude de determinada identificação confessional. Com aqueles católicos, de acordo com a análise da antiga dirigente da CGTP, Maria do Carmo Tavares, «não estávamos perante um católico qualquer», eram quadros sindicais, reconhecidos «porque eram progressistas, porque eram contra o regime, porque se tratava de grandes lideranças sindicais, como, entre outros, Maria do Céu Ferreira..., porque tinham credibilidade junto dos trabalhadores. E esses eram fatores fundamentais que davam coerência à convergência na ação político-sindical» daqueles sectores católicos com outros dirigentes sindicais, muitos deles comunistas.

8/05/2024

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1. ANTT-PIDE/DGS, SC, CL (1) 1327, NT 12 16, vol. 2, doc 183. Naquele relatório da polícia estavam assinalados com a) António Respeita Mendes (o primeiro nome da lista da Assembleia Geral); António da Cruz Mendes (o primeiro nome para a Direção); José Paulo Júnior (o quinto nome da Direção).
2. ANTT-PIDE/DGS, SC, CL (1) 1327, NT 1216, vol. 2, doc. 201.
3. ROCHA, F. Canais – Resenha histórica do Movimento Operário e do movimento sindical português (1838-1970). In AAVV – Contributos para a história do movimento operário e sindical. Das raízes até 1977. Lisboa: CGTP-IN – Departamento de Cultura e Tempos Livres; IBJC-Instituto Bento de Jesus Caraça, 2011, vol. 1, p. 106.

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