"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Manuel Lopes
Inserido num ciclo dedicado às comemorações dos 50º Aniversário do 25 de Abril, o Terra da Fraternidade divulga micro- biografias de algumas dos católicos com um papel de destaque no combate ao regime fascista e conquista da democracia.
Todas as micro-biografias são extraídas da tese de Doutoramento de Edgar Silva: "Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP.
Manuel Lopes nasceu em Coimbra no dia 18 de novembro de 1943. Começou a sua vida como operário têxtil. Foi militante da Ação Católica Portuguesa, fez parte da JOC e da LOC. Destacado dirigente do Sindicato dos Lanifícios de Lisboa, participou na criação da Intersindical e fez parte dos organismos executivos da CGTP-IN. Foi um dos oradores no comício do 1º de Maio de 1974. Pertenceu ao MDP/CDE antes do 25 de Abril de 1974 e foi um dos fundadores do MES. Foi deputado à Assembleia da República, entre 1980 e 1985, como independente no Grupo Parlamentar do PCP e, do mesmo modo, foi deputado desde 1990 na Assembleia Municipal de Lisboa. Pertenceu às Comissões de Honra das Candidaturas à Presidência da República de Mário Soares (2º mandato) e Jorge Sampaio. Era membro da direção do Conselho Português para a Paz e a Cooperação e foi presidente da Mesa da Assembleia Geral da Voz do Operário. Faleceu em Lisboa a 15 de maio de 1999.
Nos movimentos da Ação Católica em Portugal, Manuel Lopes fez parte de uma geração de sectores católicos que protagonizou a aprendizagem da prioridade dedicada às estruturas que condicionavam a vida operária, fossem elas os sindicatos, as cooperativas, os organismos do associativismo popular, independentemente das suas tendências ou influências doutrinárias e ideológicas. Estava em causa um forte sentido de compromisso para intervir na sociedade, nas suas entranhas, onde se poderia decidir da «libertação ou escravidão do operário, a sua perda ou salvação». A essa tarefa designavam os católicos de «presença apostólica nas estruturas» .
No reconhecimento dos lugares dessa aprendizagem de militâncias sociais e políticas na Ação Católica e, designadamente, do papel do CCO – Centro de Cultura Operária no desencadear de dinâmicas e dos compromissos políticos, Manuel Lopes, no 25º aniversário do 25 de Abril, numa sessão pública em sua homenagem, ao falar da sua história de vida, disse: «Quero aqui saudar os grupos da JOC, a parte mais avançada da Igreja, o efeito produzido pela Pacem in Terris de João XXIII, os cursos de formação sindical que fazia quase clandestinamente, com a colaboração do Centro de Cultura Operária. Daí a ida à frente dum grupo de trabalhadores contestar a direção corporativa sindical em 1963».
Manuel Lopes contribuiu para uma viragem profunda que estava a operar-se no catolicismo. No militantismo operário católico, Manuel Lopes inseriu-se numa dinâmica que trouxe, com novos fundamentos teológicos, uma outra compreensão do modo de presença na vida da sociedade. A presença dos trabalhadores nas organizações operárias tinha por objetivo agir para a valorização daquelas. E os apelos à necessidade de compromisso noutras organizações sociais visava contribuir o mais eficazmente possível para colaborar no progresso da humanidade. Como se dizia no jornal Voz do Trabalho, o procedimento católico em relação aos lugares sociais onde se decidia a vida coletiva, de forma mais específica nas organizações operárias, deveria nortear-se pela seguinte máxima: «necessário é que todos nos mentalizemos no sentido da necessidade de estarmos presentes nessas associações, para nelas podermos agir – melhorando-as se possível».
Manuel Lopes destacou-se na sociedade portuguesa como um dos dirigentes do catolicismo social pertencente ao movimento de vanguarda social, política e também cultural, em que se inseria, no seu tempo, a militância operária católica.
A ideia ou a consciência de vanguarda estava bem presente em determinados setores do catolicismo social. O sindicalista e histórico dirigente do catolicismo social, Manuel Lopes, falara do movimento operário católico como «a parte mais avançada da Igreja».
Como afirmou João da Cruz, antigo Assistente do movimento operário católico, haveria uma consciência mais vasta dessa vanguarda: «sentíamo-nos integrados num movimento mais amplo internacional, com implantação crescente no País e que se concretizava connosco. E nós sentíamos que eramos mais uns a remar no mesmo sentido, de fazer avançar a Igreja e o Mundo. Mais do que progressismo, falava-se dos sectores mais avançados, mais abertos ao mundo» .
Uma ideia de «catolicismo de vanguarda» em Portugal, como noutros países, identificava alguns sectores muito circunscritos do catolicismo que, de algum modo, se sentiam irmanados num movimento mais amplo, um movimento de crentes que se configurou depois da II Guerra Mundial, que teve no Concílio Vaticano II uma etapa fundamental. Daqueles cristãos em movimento nos dá conta a publicação em Portugal, pelas mãos da Livraria Morais Editora, de um livro sobre essa «linha da frente». É uma coleção de testemunhos e documentos que nos colocam em contacto com alguns dos atores duma história da esperança do catolicismo e da fé numa nova humanidade .
Serão as características mais diretamente associadas às marcas do humanismo cristão, de uma crescente intervenção a favor das liberdades cívicas e políticas, de um efetivo compromisso no seio das estruturas onde se decidia a vida em sociedade, numa crescente identificação com a justiça social, que se formou essa vanguarda, ou seja, uma nova consciência militante, enquanto era reivindicada uma consciência cristã autónoma, aberta e procurando rumos para um catolicismo renovado. Tal cultura de militância conduziu a processos com uma dimensão política da fé que provocaram ainda maior apreensão junto de outros setores do catolicismo e a intensificação de orientações persecutórias por parte do regime de Salazar e Caetano à LOC e à JOC. Coexistindo com o alargamento do espaço de militância no plano social, era burilado o discurso sobre a liberdade de ação na sociedade – como um direito das igrejas, enquanto liberdade das igrejas – no quadro do Estado Novo. Recusando uma «igreja-referência-ideológica» do regime, aquela militância católica comprometia-se com mudanças profundas a empreender para tornar possível um cristianismo outro, dissociado da doutrina e da prática política instauradas no País.
A trajetória cidadã de Manuel Lopes é indissociável do universo plural que identificava os “católicos da revolução”, «pela firmeza das suas convicções, mas também pela forma como encarava o seu papel de dirigente, sempre à procura de interpretar corretamente a vontade dos trabalhadores que representava, sempre a querer dar voz e protagonismo às bases» .
14/08/2024
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.
1. Cf. Boletim LOC/LOCF, n.1, jan/fev 1971, p. 25.
2. LOPES, Manuel – Intervenção na Sessão do 116º Aniversário da Voz do Operário e do 25º Aniversário do 25 de Abril, 13/03/1999. Documento facultado por Américo Nunes.
3. Voz do Trabalho, 218, maio 1962.
4. Entrevista com João da Cruz, realizada em 22 de maio de 2018.
5. Cf. DOMENACH, Jean-Marie; MONTVALON, Robert de – Catolicismo de Vanguarda. Textos e documentos do catolicismo francê