"Os católicos da Revolução e o PCP" - Micro-biografia de Fernando Abreu
Inserido num ciclo dedicado às comemorações dos 50º Aniversário do 25 de Abril, o Terra da Fraternidade divulga micro- biografias de algumas dos católicos com um papel de destaque no combate ao regime fascista e conquista da democracia.
Todas as micro-biografias são extraídas da tese de Doutoramento de Edgar Silva: "Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP."
Fernando Abreu nasceu em Lisboa em 1933. Foi dirigente da Ação Católica, pertenceu à JOC e foi filiado na LOC, tendo sido nomeado pela Direção Geral da LOC para diretor do Centro de Cultura Operária. Pertenceu à Junta Central da Ação Católica, foi presidente diocesano de Lisboa da LOC e foi vice-presidente nacional da LOC. Foi um dos fundadores da BASE e fundador-coordenador da BASE – F.U.T.
Fernando Abreu foi um dos protagonistas do catolicismo social que desenvolveu uma linguagem da espiritualidade de presença e compromisso social e político na sociedade portuguesa. Aquela praxis que identificou sectores católicos teve consubstancialização no que veio a ser o desenvolvimento do projeto do CCO - Centro de Cultura Operária, especialmente, num novo ciclo daquele projeto, entre 1969 e 1974.
Como fundamentou Fernando Abreu, um dos dirigentes históricos do CCO, aquele era um novo projeto «vocacionado para a formação doutrinária e técnica dos trabalhadores e para a preparação da missão de agir na promoção do meio operário. E assumiu uma forte aposta numa formação militante para um ainda mais qualificado empenhamento militante e para um maior compromisso na sociedade, para a transformar […] Os Centros de Cultura Operária espalhados pelo País tinham por propósito formar trabalhadores conscientes da sua dignidade humana, dos seus valores e capacidades, dos seus direitos e deveres, contribuindo dessa forma os CCO para a elevação da luta dos trabalhadores na sociedade portuguesa» .
Naquela etapa da ditadura de Salazar e Caetano norteou-se a formação sindical ministrada pelo CCO no sentido duma intervenção integradora nas estruturas daquela sociedade. E nesse encadeamento é possível assinalar uma direção “entrista”, em que os contributos para a luta dos trabalhadores e para a construção da democracia em Portugal emanavam do agir militante e das transformações alcançadas nos lugares onde estava em causa a vida e as condições de vida dos portugueses.
Significou, por isso, uma forma de querer a transformação da sociedade, de a revolucionar. Correspondeu à afirmação de uma linha de rumo com profundo significado político e de extensiva relevância para o catolicismo, que poderemos sintetizar da seguinte forma: embora outros movimentos católicos com uma memória de pendor libertário, com uma cultura política de contrapoder e de luta contra a fascização dos regimes, designadamente noutros países, tenham optado pela criação de sindicatos alternativos aos oficialmente instituídos, em Portugal, foi adotada uma outra opção. Apesar das correntes que naquele sentido procuraram orientar a finalidade da “educação e formação operária”, pelo contrário, a partir do CCO estabeleceram-se ruturas com tais modelos para que prevalecesse uma linha de direção em que a ação militante do catolicismo promovesse a inclusão na do movimento operário, com todos os trabalhadores e nas organizações instituídas, independentemente das correntes ideológicas que o atravessassem. E neste sentido da História Fernando Abreu é um dos incontornáveis protagonistas.
Por consequência, em Portugal foram derrotados diversos esforços que tendiam para a criação concorrencial e alternativa de sindicatos confessionais, de sindicatos católicos clandestinos. Aliás, a rutura que aconteceu no movimento operário católico e no CCO, em 1968, teve precisamente como questão de fundo a rejeição por maioria de dirigentes católicos dessa reorientação estratégica.
Podemos, pois, identificar o CCO como uma outra das significativas materializações do entranhamento ou da expressão do “entrismo católico” com dilatamentos durante os anos de 1960, até 1974. Em vez de duma intervenção que almejava cristianizar ou converter aos princípios da doutrina católica os Sindicatos Nacionais, no seio da organização corporativa do Estado Novo o “entrismo católico” passou a ter por objetivo alcançar a Nova Sociedade, a nascer da luta pela liberdade sindical e política, da democracia participativa e da defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores.
Na mesma lógica de entranhamento, mas com uma intencionalidade muito mais vincada de politização, Fernando Abreu teve reconhecido contributo na criação da BASE. Aquele novo projeto político deu prioridade à ação sindical, «promovendo a mobilização dos trabalhadores em ordem à defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores». Os católicos que desencadearam aquele novo projeto político pretendiam «contribuir para a edificação de uma sociedade democrática» .
A BASE foi constituída como movimento político em novembro de 1967, em Lisboa. Com cunho clandestino, a reunião fundadora da BASE teve lugar na sede da Associação de Planeamento Familiar e na sua origem estiveram católicos ligados às organizações operárias da Ação Católica, englobando dirigentes e ex-dirigentes, masculinos e femininos da LOC e da JOC. No embrião da BASE nasceu também um elo de comunicação, um instrumento de agitação política, de esclarecimento e de informação dos trabalhadores portugueses: foi lançada a Força Operária, com distribuição clandestina. Tratava-se duma linha informativa que, para além do relato de ações concretas e da valorização de lutas realizadas por trabalhadores, veiculava posicionamentos críticos em relação ao regime, divulgava documentos e notícias de natureza política e de caráter social que por outros meios estavam impedidos de ter divulgação no País. Enquanto a Força Operária era lançada a partir de Lisboa, no Porto a BASE lançou uma folha mais virada para a vertente da agitação político-sindical. Foram duas expressões de um catolicismo atuante, mas já com uma feição insurgente, às quais esteve associado Fernando Abreu.
Com esse sentido de entranhamento, militantes da BASE avançaram para uma audaciosa estratégia de intervenção a partir do interior das empresas e nos Sindicatos Nacionais, onde estava já explicitada uma vontade coletiva de «apoiar e organizar trabalhadores pelo fim do regime fascista» . Da parte daquela organização fundada por católicos havia uma clara demanda de rutura política, que incluía o querer antecipar o derrube do regime. Na estratégia para a intervenção da BASE fora definido como prioritário inviscerar-se no movimento sindical, num outro patamar do “entrismo católico”.
Ainda mais vasta latitude política se reconhecerá à ativa participação dos militantes da BASE na formação da Intersindical. Em sintonia com o projeto de estruturação dum organismo de coordenação e cooperação entre dirigentes sindicais e entre sindicatos, com uma consciente ambição da função atuante do sindicalismo para a transformação da sociedade e para a conquista da democracia, desde a génese e nas primeiras reuniões intersindicais fez-se sentir o eficaz trabalho daquela militância do catolicismo. Na fase inicial, participaram nas reuniões intersindicais Armando Santos (sector dos Seguros) e Fernando Abreu (sector dos Escritórios). Numa etapa posterior, quando a participação naquela estrutura em formação se circunscreveu a membros de direções eleitas em listas sindicais oposicionistas, para além de Armando Santos, passou a participar naquela dinâmica sindical Júlio Ribeiro (Sindicato dos Bancários do Norte).
A Intersindical é produto de uma conceção ecuménica, em resultado de uma longa aprendizagem do diálogo por parte de sectores do catolicismo. Na decorrência duma cultura de unidade em que a unidade dos trabalhadores e do movimento sindical era cultivada como valor determinante, de natureza estratégica, para a conquista de direitos sociais e políticos e expressão indispensável da luta pela democracia em Portugal, vários militantes católicos foram fundadores da Intersindical e estiveram no alicerçar da Central Sindical.
Será também em coerência com esses mesmos princípios orientadores que serão rejeitadas, já depois da Revolução de Abril de 1974, as propostas para a criação de sindicatos confessionais e todas as formas de assédio ao catolicismo social para a formação de outro sindicalismo em Portugal .
Cada um destes processos em que esteve envolvido Fernando Abreu dá conta de uma determinada linha de compromisso social e político dos católicos da revolução e, na revolução portuguesa nascida a 25 de Abril de 1974, evidencia um marcante contributo dos católicos na revolução, nos processos de transformação do país.
1/08/2024
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.
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1. Da entrevista com Fernando Abreu, realizada em 16 de janeiro de 2020.
2. BASE – Reunião fundadora do Movimento, novembro de 1967. Documento facultado por Fernando Abreu.
3. BASE – Reunião fundadora do Movimento, novembro de 1967. A BASE, após a Revolução de Abril de 1974, evoluirá para a constituição da BASE-FUT. Com a aprovação de novos princípios, objetivos e métodos de intervenção, foi constituído entre 1 e 3 de novembro de 1974 um movimento de intervenção política, sindical e cultural, cuja constituição legal se registou a 9 de novembro de 1976.
4. Cf. ABREU, Fernando – 30 Anos BASE-FUT. [S.l.]: [s.n,],2004; MARTINS, Emídio – A participação dos militantes operários cristãos na construção e percurso da Intersindical: testemunho (1955-1977). In AAVV – Contributos para a história do movimento operário e sindical. Das raízes até 1977. Lisboa: CGTP-IN-Departamento de Cultura e Tempos Livres; IBJC –Instituto Bento de Jesus Caraça, 2011, vol.1, p. 297-304.