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O Encontro Mundial da Juventude

Pela primeira vez em Portugal se vão juntar em Lisboa mais de um milhão de jovens com uma motivação religiosa. Os telejornais têm vindo desde há tempos dando umas notícias de quando em quando.

O Encontro Mundial da Juventude

Mário Moura é médico, Presidente honorário da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, com publicação científica e literária, e cronista em vários jornais.

Tal reunião obrigou a arranjar um espaço e — especialmente — motivou uma enorme organização com meses e meses de antecedência e muitos milhares de jovens por esse mundo fora. E tal reunião tem ainda outra particularidade importante: a presença do Papa Francisco, figura dum relevo excecional na Igreja católica e até nos meios leigos.

Francisco, argentino de nacionalidade, tomou desde que foi eleito, após a resignação de Bento XVI, atitudes absolutamente inovadoras: não vive nos aposentos dos papas, e deu de imediato sinais de querer modernizar o “edifício” anquilosado da Igreja. Publica cartas encíclicas sobre as agressões à natureza, sobre a fraternidade, reúne um Sínodo para debater as agressões à Amazónia, coloca mulheres em lugares de decisão e convoca um Sínodo para 2024 mas com uma preparação minuciosa de maneira a que nele se ouça a voz do “povo de Deus” e não apenas a da hierarquia. E fala da necessidade de “caminharmos juntos”, de alterar radicalmente a organização socioeconómica das nossas sociedades para acabar com o domínio do capital sobre o trabalho. E fala-nos da necessidade urgente duma “revolução da ternura” e afirma que a Igreja deve ser como um” hospital de campanha” que se monta onde há necessidade, isto é, onde predomina a pobreza, a exclusão social ou a necessidade duma terapêutica profunda que derrube muros e construa pontes… de ajuda e fraternidade. Além de, na prática, se notabilizar por defender estes objetivos, Francisco não é meigo a falar e afirma que a economia pela qual se regem atualmente as sociedades é uma “economia que mata”!

É evidente que o atual “edifício” da Igreja Católica, mesmo com o extraordinário estudo e avanço teórico do Concilio Vaticano II, muita coisa — ou quase tudo — ficou na mesma, em especial ao tratamento do povo de Deus como “leigos”, isto é, como pouco ou nada influenciando a vida eclesial, o tremendo edifício de “consagrados” — cardeais, arcebispos, bispos e presbíteros — continuam a mostrar ostentação e poder. E se vão aparecendo entusiastas da tal “revolução da ternura” há muitos com orelhas moucas e até muitos que mostram às claras a sua objeção a tais possíveis mudanças.

E a realidade é que as nossas sociedades são exclusivas, umas com um poderio financeiro (e não só!) que tudo domina e vivem, inclusivamente, da exploração “descarada” de muitos países onde já ninguém consegue viver…. e fogem procurando “um lugar ao sol” para viverem. E com esse objetivo formam-se correntes de refugiados, nas mãos de exploradores de tráfico de gente, e… morrendo aos milhares por esses trajetos fora — afogados, de fome, de doenças etc.

Sabemos que o trabalho é que dignifica o ser humano, mas olhamos à nossa volta e vemos que o capital é que domina e… governa este mundo em que vivemos — e só a voz do Papa Francisco clama contra e visita refugiados em autênticos campos de concentração
E ao lado desta tragédia, a exploração energética (petróleo, gás, carvão, etc) e os atentados à harmonia da Natureza criaram outra tragédia que está levando a “Mãe Natureza” para uma situação que está bem perto de causar a inabitabilidade do nosso planeta! E toda esta situação é provocada pelas necessidades dos tais países ditos ricos!

Ora, tudo isto é a realidade em que vivemos e é nesta realidade que se vai realizar a Jornada Mundial da Juventude e teremos mais de um milhão de jovens plenos de alegria, alegria que o Papa estimula pois entende que viver é mesmo uma alegria!

Vai haver cânticos, teatros, desporto, ballet, vai haver uma concentração de alegria esfusiante, debates e… orações!

Vai ser um delírio ver e ouvir Francisco. Que ficará depois deste verdadeiro delírio e desta tão longa preparação de gente convicta e sincera? Lisboa vai recordar por muito tempo esta esfusiante manifestação de Fé (?). Mas não posso deixar de me interrogar se “a revolução” terá algum efeito daqui a — por exemplo — um ano.

Depois do “manifesto” de Marx e Engels, os Papas começaram a preocupar-se com os problemas sociais publicando encíclicas belas e profundas que vão desembocar no Concílio Vaticano II (que belos textos para uma Igreja nova!) — e a missa passou a vernáculo e o sacerdote deixou de celebrar de costas para os crentes — e que mais? João Paulo II, num dos mais longos papados, encheu estádios com uma juventude vibrante. E agora Francisco fala, pede, exige uma verdadeira revolução… da ternura!

Eu tenho quase cem anos, mas será que os meus netos e bisnetos terão uma Igreja diferente, onde possam intervir e que estejam colaborando num mundo melhor? Eis a dúvida!

Disseram uma vez ao nosso Nobel da Literatura que os seus escritos eram pessimistas. E ele respondeu que não, que eram realistas! Faço minha esta sua resposta!

1/08/2023

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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