O assédio como instrumento de gestão predadora
O ano de 2023 tem sido fértil em sinais que nos indicam como vai a sociedade portuguesa ao nível da cidadania, das relações de trabalho e da vida política em geral. Claro que apenas os que encontram eco nos meios de comunicação têm algum impacto como foi o caso de novas notícias de assédio moral e sexual em várias instituições universitárias. Casos que envolveram professores universitários ou investigadores, alguns dos quais bem conhecidos dentro e fora de fronteiras.
António Brandão Guedes é Técnico Superior Aposentado da ACT e dirigente da BASE-FUT.
Para além da gravidade das situações, a que nos referiremos mais adiante, cumpre desde já assinalar que estes casos foram notícia e objecto de abundantes considerações em artigos de opinião porque envolveu gente das elites académicas. Como quase sempre acontece apenas o que acontece aos grandes, e a determinados profissionais com alguma visibilidade social, é relevante nesta sociedade classista. Temos casos destes com fartura. Vejam por exemplo: quando morre um operário numa obra pouco se escreve sobre o mesmo, por vezes nem o nome. Quando morre um polícia, um político, empresário ou artista realizam-se reportagens que vão ao até ao detalhe romanesco.
Ora, o assédio moral e sexual tão falado no caso das universidades, é a ponta do icebergue de uma prática frequente nas empresas e serviços públicos. Em muitas empresas é claramente uma prática de gestão para afastar trabalhadores incómodos ou considerados pouco produtivos sem indemnizações a que teriam direito se, numa luta desigual, não desistissem e se despedissem para não arruinarem mais a saúde. Quando se despedem os trabalhadores já estão com a saúde destruída por muitos anos!
Apesar dos estudos, convenções da OIT (190), resoluções do Parlamento Europeu e legislação nacional terem melhorado a situação sob ponto de vista jurídico, com destaque para a proteção das vítimas e das testemunhas, a prática do assédio não foi criminalizada e é sempre um processo difícil para as vítimas. Estas, sem mecanismos independentes e eficazes de denuncia, estão sempre numa situação desfavorável.
O assédio moral, a avaliação por objectivos e prémios, a precariedade e a intensificação do trabalho com desregulação de horários estão a criar um caldo de cultura empresarial verdadeiramente própria de um capitalismo predador dos trabalhadores e das suas famílias. Esta cultura que visa a exploração de quem trabalha atravessa multinacionais e empresas de menor dimensão e está a criar serviços e empresas patológicas, ou seja, empresas que criam trabalhadores doentes, plenos de stresse e burnout, com crescentes lesões musculo-esqueléticas e depressões.
Estas situações que emergem cada vez mais à luz do dia exigem uma ação sindical que coloque a saúde e segurança do trabalhador no centro das reivindicações e no apoio aos trabalhadores. Mas também exige aos militantes que culturalmente têm uma ligação à fé cristã e aos respectivos valores de solidariedade e humanismo uma reflexão teológica própria, infelizmente ausente das Jornadas Mundiais da Juventude e de outros espaços eclesiais. O Papa Francisco que os inquisidores deste século querem “queimar”, chamou lapidarmente a esta gestão predadora do capital a “economia que mata”! Está tudo dito! A doença profissional, ao contrário do acidente, mata lentamente, mas mata e, por vezes, dolorosamente!
27/07/2023
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.