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Não há Paz sem justiça social

Relendo Sophia de Mello Breyner Andresen, na sua “Cantata da Paz”, mais do que atual neste tempo de guerras, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. Temos de ir mais longe! Temos de ser capazes de alcançar a PAZ!

Não há Paz sem justiça social

Deolinda Carvalho Machado é professora, dirigente associativa e da LOC-MTC.

Não basta ver, ouvir e ler: é preciso analisar, interpretar, ir às causas profundas da realidade que nos rodeia e fazer-nos ouvir. É preciso que ninguém fique indiferente. Mas também é indispensável conhecer as causas e os mecanismos que os responsáveis usam para poder intervir de forma consequente.

Os números frios das estatísticas dizem-nos, segundo um documento do Instituto Nacional de Estatística publicado em janeiro último, que em 2021 o risco de pobreza em Portugal era de 16,4%, o que correspondia a mais de 2 milhões de pessoas. Pessoas concretas com direito a uma vida digna. De salientar que o referido documento diz que mais de 10% das pessoas empregadas se encontravam em situação de pobreza.

Se a situação assim apresentada já de si é gravíssima, a realidade vai muito mais além.
O número de pedidos de apoio em 2023 duplicou relativamente a 2022, segundo o Banco Alimentar Contra a Fome, sendo a maioria de trabalhadores cujos salários não cobrem as necessidades essenciais.

Sobre a habitação, o Instituto Nacional de Estatística publicou os resultados do inquérito de 2021, onde se fica a saber que 10,6% da população vivia com insuficiência de espaço, valor que representa um agravamento, pois no ano anterior era 9% e, segundo um estudo realizado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, a longevidade é menor nos grupos em que as habitações têm condições deficientes.

Também na saúde a pobreza deixa marcas, que não são apenas as de uma vida de privações e muitas vezes a impossibilidade de ter acesso a tratamentos e medicamentos. Também na saúde mental se refletem essas condições de vida. Em Portugal a 3 em cada 10 pessoas, ou seja, 30%, já foram diagnosticadas depressões.
Na educação, como foi recentemente divulgado, cresce o número de alunos que dependem do apoio do Estado.

Os breves indicadores, mas julgamos que demonstrativos da situação social gerada pela pobreza, identificam as consequências de uma das componentes do trabalho em apreciação — o salário. (Em muitos casos, no presente ano houve aumentos, mas a outra componente, os preços, subiram mais, particularmente nos produtos alimentares).

Quando os rendimentos crescem abaixo da inflação, como agora acontece, as condições de vida agravam-se, particularmente para os que já se encontram em dificuldades económicas.

Acompanho o que nos diz o Papa Francisco na Fratelli Tutti:

“Há regras económicas que foram eficazes para o crescimento, mas não de igual modo para o desenvolvimento humano integral. Aumentou a riqueza, mas sem equidade, e assim ‘nascem novas pobrezas’.” (1)

“Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma Terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.” (2)

A valorização do trabalho e dos trabalhadores, a aplicação da justiça com critérios de igualdade para todos, o restabelecimento da confiança e o reforço das políticas públicas e sociais, foram e continuam a ser imprescindíveis para o harmonioso desenvolvimento da população e do país:

“Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um meio de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo.” (3)

A consciência da nossa missão como seres humanos impele-nos a agir, a lutar e a intervir no mundo para o transformar e o adequar a um espaço de vivência em paz e justiça social para todos, e não apenas para alguns.

Vivemos um momento muito especial no nosso país, de acolhimento de jovens de todo o mundo na Jornada Mundial da Juventude 2023. Acolhimento e reforço de unidade na ação transformadora com e entre pessoas que nos visitam, e as que connosco vivem e trabalham, partilhando conhecimento, cultura e valores entre povos de diferentes origens e culturas, mas “todos irmãos”, pertencentes à mesma Humanidade.

É este percurso que continuaremos a trilhar antes, durante e depois da JMJ que Portugal recebe. É tempo de acolhimento; é tempo de compromisso com o Bem Comum! É tempo de semear a Esperança que todos os dias se renova no coração de cada ser humano, como bem nos indica o caminho, o nosso querido Papa Francisco. Bem-vindo a Portugal! Bem-vindo a Lisboa!

2/08/2023

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

(1) Papa Francisco, carta enc. Fratelli Tutti, 3 Out. 2020, 21, http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html .
(2) Ibid., 8.
(3) Ibid., 162.

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