Pobreza, migrações e justiça social (Mito RSI)
Em 2025, o valor do Rendimento Social de Inserção (RSI) será de 242,23€ para o primeiro titular, 169,56€ para o segundo adulto do agregado familiar e 121,12€ por cada criança ou dependente adicional.

Alexandre Nuno Teixeira é Gestor de Programas no Setor Social (Migrações) e Dirigente Associativo Voluntário (Movimento Associativo Popular e IPSS).
Assim, uma família composta por dois adultos desempregados e dois filhos menores receberá 654,30€/mês — valor que, segundo os critérios europeus, não garante sequer uma vida acima do limiar da pobreza.
Ainda assim, este apoio é frequentemente apontado como um dos grandes “fardos” do Estado Social. O preconceito repete-se: “vivem à custa do Estado”, “não querem trabalhar”, “é preciso acabar com os subsídios”. O foco mediático e político desloca-se para as franjas mais vulneráveis da população, ignorando as grandes estruturas de injustiça. O Estado gasta cerca de 300 milhões de euros por ano com o RSI — apenas 1% da despesa da Segurança Social, num orçamento total de 133 mil milhões de euros. Ao mesmo tempo, entregou 12 mil milhões ao Fundo de Resolução Bancária e deu como incobráveis 9700 milhões em dívidas fiscais, muitas delas de grandes empresas. Onde está o escândalo?
A responsabilidade ética de uma sociedade justa
A Doutrina Social da Igreja Católica é clara quanto à obrigação de promover a dignidade humana e o bem comum. Como afirma o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, “a sociedade deve favorecer de modo especial as suas camadas mais débeis e desfavorecidas, vítimas de formas múltiplas de marginalização e exclusão social” (n.º 182).
O Papa Francisco foi contundente na crítica a uma economia que “mata”, ao recordar que “esta economia exclui. Esta economia que está no centro hoje é a economia da exclusão e da iniquidade” (Evangelii Gaudium, n.º 53). O ataque aos apoios sociais e a estigmatização de quem os recebe contradizem este princípio fundamental da solidariedade.
E os migrantes? Um alvo fácil num país desigual
A discussão sobre o RSI ganha contornos ainda mais perigosos quando é associada aos migrantes. Apesar de os estudos demonstrarem que a maioria dos migrantes trabalha, contribui para a Segurança Social e tem menor propensão para recorrer a apoios sociais do que a população nativa, o discurso público pinta um quadro oposto.
Em 2024, os imigrantes contribuíram com cerca de 3.600 milhões de euros, representando 12,4 % do total das receitas da Segurança Social RTP Rádio Renascença.
Este valor é cinco vezes superior ao que recebem através de prestações sociais, demonstrando claramente o saldo positivo que trazem para o sistema Rádio Renascença, sendo, portanto, financiadores líquidos do sistema — não beneficiários líquidos. A realidade desmente o mito, mas os preconceitos persistem.
A Doutrina Social da Igreja reconhece o direito a migrar e impõe o dever de acolher. João Paulo II, na Mensagem para o Dia Mundial do Migrante de 2000, afirmou: “a Igreja reconhece no migrante não apenas um irmão em dificuldade, mas Cristo mesmo que bate à nossa porta” (cf. Mt 25,35).
Mitos convenientes, realidades incómodas
O foco no RSI como problema central do país cumpre um propósito claro: desviar a atenção das verdadeiras causas da pobreza e das desigualdades persistentes. Em vez de enfrentar os desafios estruturais — como a precariedade laboral, os salários insuficientes, a falta de acesso a habitação digna ou os cortes nos serviços públicos essenciais — opta-se por apontar o dedo aos mais frágeis. É mais fácil culpar um pai desempregado de Almada ou uma mãe migrante de Odivelas do que interrogar os mecanismos que perpetuam ciclos de exclusão e empobrecimento, muitas vezes reforçados por políticas que beneficiam os que já têm mais.
O discurso que transforma pobres em bode expiatório ignora que muitos vivem em condições indignas apesar de trabalharem, e que o RSI não é um privilégio, mas uma rede mínima de sobrevivência. Esta inversão moral, que acusa os vulneráveis de serem o problema, esconde a incapacidade ou falta de vontade política de enfrentar as desigualdades que continuam a marcar profundamente a sociedade portuguesa.
A forma como tratamos os mais pobres, os migrantes e os excluídos será a medida do nosso compromisso com a justiça. A pobreza não é uma fatalidade: é uma construção social que pode e deve ser desfeita por opções políticas inspiradas pela dignidade humana.
No final, os que hoje se indignam com os pobres não evitarão o destino comum de todos: o cemitério. A diferença será se partimos como cúmplices da injustiça ou como construtores de uma sociedade mais humana.
27/05/2025
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.