Controlar e Deportar: o triunfo da contabilidade sobre a dignidade
“Controlar e Deportar” poderia soar a um manual de gestão fronteiriça. Mas não: é a lógica fria que se vai impondo no discurso político sobre migrações. A ideia é cristalina — deixar entrar apenas quem convém, de preferência qualificado e rico, e deportar os que não trazem “valor acrescentado” para a economia.

Alexandre Nuno Teixeira é Gestor de Programas no Setor Social (Migrações) e Dirigente Associativo Voluntário (Movimento Associativo Popular e IPSS).
Pessoas reduzidas a números numa folha de Excel, avaliadas pelo que produzem e não pelo que são. Quem não gera lucro é descartado. Quem não cabe na categoria de “útil” é empurrado para fora da vista. Mas esta visão esquece uma verdade elementar: o valor da vida humana não se mede em euros nem em estatísticas.
O pensamento humanista, que moldou a cultura e as democracias europeias, lembra-nos isso há séculos. Pico della Mirandola escreveu sobre a grandeza única do ser humano, capaz de escolher e transformar-se. Erasmo sublinhou a centralidade da razão e da compaixão. Kant deixou-nos a advertência de que o ser humano deve ser sempre um fim em si mesmo, nunca um meio para um objetivo externo. Jacques Maritain reforçou que os direitos humanos não dependem da utilidade, mas da dignidade intrínseca.
Também a Doutrina Social da Igreja é clara: desde a Rerum Novarum de Leão XIII até à Caritas in Veritate de Bento XVI, encontramos o mesmo princípio: a pessoa humana é o centro da ordem social, não a economia nem o mercado. O migrante, o refugiado, o pobre não são “problemas a gerir”, mas irmãos a acolher. É este o coração da solidariedade.
Ao adotarmos a lógica do “Controlar e Deportar”, não estamos a proteger sociedades. Estamos a erodir valores. Reduzimos as fronteiras a filtros económicos, como se o único critério válido fosse a mais-valia produtiva. Esquecemos que também as nossas sociedades se construíram com o esforço de migrantes pobres, que vieram de longe sem nada e aqui deixaram trabalho, cultura e futuro.
O discurso da exclusão transforma-se, inevitavelmente, em autodestruição. Porque uma comunidade que escolhe apenas os “mais rentáveis” e descarta os vulneráveis, cedo ou tarde, também descartará os seus próprios frágeis: idosos, doentes, desempregados. O mecanismo é o mesmo — e o humanismo existe precisamente para nos recordar que a dignidade não pode ser submetida ao cálculo da utilidade.
O verdadeiro desafio das democracias não é levantar muros mais altos. É construir pontes mais fortes. Não é controlar e deportar, mas acolher e integrar, reconhecendo que no outro não está um fardo, mas um igual.
Porque a dignidade não se deporta.
11/10/2025
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.