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Antes de tudo, humanos.

"Antes de ser uma questão religiosa, a compaixão é uma questão de humanidade. Antes de sermos crentes, somos chamados a ser humanos." – Leão P.P. XIV.

Antes de tudo, humanos.

Alexandre Nuno Teixeira é Gestor de Programas no Setor Social (Migrações) e Dirigente Associativo Voluntário (Movimento Associativo Popular e IPSS).

Há frases que nos interrompem. Não por serem novas, mas por nos recordarem, com a força de quem viu o essencial, aquilo que devíamos nunca ter esquecido. Leão XIV fê-lo com esta sentença simples e, por isso mesmo, devastadora: antes de qualquer fé, identidade ou pertença, está o dever de humanidade.

Vivemos tempos estranhos. Em Portugal e no mundo, a compaixão parece ter-se tornado um luxo, uma fraqueza, um risco político. A indiferença ganha espaço, disfarçada de neutralidade.

A crueldade, servida com cinismo, veste o fato da segurança e da ordem. A religião, que deveria ser um espaço de comunhão e dignidade, é usada como arma — não para proteger os vulneráveis, mas para justificar a sua exclusão.

Não há maior exemplo disto que o silêncio cúmplice — ou até a negação ativa — perante o sofrimento do povo palestiniano, em Gaza. Mais de 50 mil mortos, a maioria civis, muitos deles crianças. Mais de 1,7 milhões de deslocados. Um território em ruínas, onde o acesso à água, à eletricidade, à comida ou aos cuidados médicos se tornou exceção. E, no entanto, a indiferença. Em muitas capitais europeias, o horror já não incomoda. A diplomacia escuda-se na “complexidade do conflito”, mas há um momento em que os números deixam de ser estatística para se tornarem espelho. E o espelho, neste caso, reflete uma humanidade adormecida — ou perdida.

Em Portugal, os sinais de erosão ética são mais subtis, mas não menos alarmantes. A criminalidade geral registada caiu 1,3% nos últimos 25 anos, segundo o mais recente estudo do Observatório de Segurança da SEDES. Mas durante o mesmo período, o número de capas de jornais com crimes violentos aumentou 130%. A mediatização do medo superou a realidade. A insegurança deixou de ser um dado e passou a ser uma perceção — cultivada, amplificada e politicamente explorada.

Não é coincidência que os temas da imigração, da nacionalidade e da segurança estejam hoje no centro da retórica populista. Não porque os dados o exijam — mas porque o medo rende votos. Alimenta-se a ideia de uma sociedade “ameaçada” por quem chega de fora. Evoca-se a defesa dos “valores ocidentais”, enquanto se ignora que a base desses mesmos valores é a dignidade humana, não a exclusão.

A SEDES alerta para este desfasamento grave entre realidade e perceção, apontando a responsabilidade partilhada entre os media e a ausência de comunicação transparente por parte das instituições públicas. Reforçam ainda a necessidade de inquéritos regulares de vitimização, de estatísticas padronizadas, e de uma abordagem menos politizada da segurança.

Este é o momento em que regressar ao essencial se torna urgente. A compaixão não é uma posição ideológica. É um imperativo ético. É ela que nos impede de aceitar como normal aquilo que é brutal. Que nos obriga a escutar quando todos gritam. Que nos recorda que, antes de sermos crentes, eleitores ou cidadãos, somos — e devemos continuar a ser — humanos.

E se a humanidade é a nossa primeira pertença, então a compaixão é o seu idioma comum. Não podemos deixar que o esqueçam por nós.

25/07/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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