A Proposta da Comissão Europeia: A Rutura com os Direitos Humanos e a Urgência de uma Política Migratória Humanista
Em 11 de março de 2025, a Comissão Europeia, presidida por Ursula von der Leyen, anunciou uma proposta de nova abordagem sobre as migrações, refletindo uma política de endurecimento das regras de deportação e de controlo das fronteiras da União Europeia.

Alexandre Nuno Teixeira é Gestor de Programas no Setor Social (Migrações) e Dirigente Associativo Voluntário (Movimento Associativo Popular e IPSS).
O projeto, que visa criar uma série de “centros de retorno” fora da UE, desperta fortes críticas de organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch. A proposta não só coloca em risco os direitos de milhares de migrantes, mas também pode levar a uma criminalização da migração e a um aumento do sofrimento para aqueles que procuram simplesmente um futuro melhor ou um refúgio seguro.
A Detenção Prolongada e a Violação dos Direitos Humanos
Entre os pontos mais controversos da proposta, destaca-se a autorização para que os Estados-membros detenham crianças não acompanhadas, famílias com crianças e adultos solteiros por um período de até dois anos, enquanto aguardam a sua deportação. Essa medida, com uma definição vaga dos motivos para a detenção, abre a porta a uma detenção arbitrária em massa, que pode ser justificada por uma “carga pesada imprevista” nos sistemas prisionais. Esta expressão, propositalmente vaga, oferece aos governos uma ampla margem para desrespeitar os direitos básicos de quem busca proteção, sem consequências claras.
Além disso, a proposta enfraquece ainda mais o direito de asilo ao permitir que migrantes sejam detidos em centros fora da UE, em países terceiros, onde a vigilância sobre as condições de detenção e os direitos dos migrantes é muitas vezes inexistente ou insuficiente. A Human Rights Watch denuncia esta proposta como um regresso a práticas desumanas que reduzem os direitos dos imigrantes a meras formalidades, em vez de priorizar a dignidade humana.
Consequências: Desespero e Mortes no Mar Mediterrâneo
Este tipo de política punitiva, que visa restringir ainda mais o direito à mobilidade e ao asilo, resulta, inevitavelmente, em condições de vida ainda mais precárias para os migrantes, que já enfrentam dificuldades extremas nas suas jornadas. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), mais de 28.000 pessoas morreram no Mediterrâneo desde 2014, tentando chegar à Europa. Este número é um reflexo da inadequação das políticas migratórias da União Europeia, que falharam em criar vias legais e seguras para os refugiados.
Um exemplo trágico ocorreu em 2015, quando 800 pessoas morreram num naufrágio em águas do Mediterrâneo, em uma única noite, quando um barco sobrelotado com migrantes tentou atravessar para a Itália. Em 2023, mais de 600 migrantes perderam a vida em outra tragédia no Mar Mediterrâneo, quando uma embarcação afundou próximo à costa da Grécia. Estas mortes não são incidentes isolados, mas uma consequência direta da falta de rotas legais de migração e da contínua criminalização de quem tenta atravessar as fronteiras da Europa à procura de proteção.
O Impacto da Política de Rejeição: Devoluções Forçadas e Refugiados Esquecidos
Além das tragédias no mar, o impacto dessa política nas fronteiras da Europa é igualmente devastador. Em países como a Grécia, Itália e Espanha, onde muitos migrantes chegam, as políticas de "pushback" – ou devoluções forçadas – continuam a ser uma prática comum. Muitas vezes, migrantes são enviados de volta para países como a Líbia, onde enfrentam condições desumanas e a violação de direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias e tortura.
A cooperação da União Europeia com regimes autoritários em países como a Líbia, ou a externalização das suas políticas migratórias para países terceiros, resulta numa negligência direta do dever de proteger os direitos dos migrantes e refugiados, que acabam sujeitos a condições de vida inimagináveis. A Cruz Vermelha e outras organizações humanitárias têm denunciado repetidamente as graves violações de direitos humanos nos centros de detenção libaneses e outras instalações similares.
A Necessidade de uma Política Humanista e Integradora
A política migratória da Comissão Europeia reflete uma abordagem centrada no fechamento de fronteiras e no endurecimento das regras de deportação, mas falha em abordar as causas profundas da migração e as necessidades de quem busca proteção. Em vez de adotar medidas punitivas, é essencial que a União Europeia adote uma política mais humanista e integradora, baseada no respeito aos direitos humanos e no acolhimento de pessoas vulneráveis. Isso passa por criar rotas legais e seguras de migração, proporcionando alternativas à travessia arriscada do Mediterrâneo e combatendo as redes de tráfico humano.
Além disso, a solidariedade entre os Estados-membros é crucial para distribuir de forma equitativa as responsabilidades de acolhimento e integração, garantindo que todos os países da UE contribuam para a proteção dos migrantes. Os investimentos devem ser direcionados para programas de integração que favoreçam a inclusão social, a educação, a formação profissional e a inserção no mercado de trabalho. A integração é a chave para transformar os migrantes em cidadãos ativos e contribuir para o desenvolvimento social e económico das sociedades europeias.
Conclusão: Uma Nova Europa, Sem Morte e Desespero
A proposta da Comissão Europeia representa uma ruptura com os valores fundamentais da União Europeia, ao priorizar a criminalização da migração em detrimento da proteção dos direitos humanos. Ao invés de políticas de rejeição e detenção, a UE deve adotar uma abordagem mais humanitária, com rotas legais de migração, solidariedade entre Estados-membros e um foco na integração e inclusão de migrantes.
Esta abordagem também entra em contradição com o que o Papa Francisco tem reiterado ao longo dos anos, defendendo que a migração deve ser tratada com compaixão e solidariedade. Como o Papa afirmou, "migrantes e refugiados não são números, mas seres humanos com os mesmos direitos que todos nós. Somos todos irmãos". Ao adotar uma postura humanista, a Europa não só honrará a sua tradição de acolhimento e solidariedade, mas também cumprirá a sua responsabilidade moral de proteger os mais vulneráveis e salvar vidas.
Em vez de perpetuar um ciclo de desespero e morte no Mediterrâneo, a Europa deve liderar pelo exemplo, promovendo uma política migratória que seja ética, justa e humana. A dignidade humana deve sempre prevalecer, e isso significa acolher e proteger aqueles que buscam refúgio, em vez de tratá-los como uma ameaça.
17/03/2025
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Fontes:
* Human Rights Watch – World Report 2025: União Europeia
* Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) – Relatório de Tendências Globais
* Cruz Vermelha – Roteiros Legais e Proteção de Migrantes
* Amnistia International – Política de Refúgio da UE e Direitos Humanos
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.