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A religião sem compaixão torna-se desnecessária!

Uma das maiores inquietações da alma humana prende-se com o tema da vida eterna. «Quem é o homem? O que está aqui a fazer? Donde veio e para onde vai quando terminar esta vida?».

A religião sem compaixão torna-se desnecessária!

Nuno Pacheco é Sacerdote da Congregação do Coração de Jesus.

No Evangelho de Lucas, a certa altura um doutor da lei perguntou a Jesus sobre o que fazer para alcançar a vida eterna. Jesus retribui a pergunta ao doutor da lei pedindo que lhe respondesse qual era, na sua ótica, o maior dos mandamentos. Obteve como resposta: “Amar a Deus com todo o coração… e ao próximo como a si mesmo”. Jesus parece ter ficado contente com a resposta dada. Mas o doutor da Lei questionou novamente Jesus: “e quem é o meu próximo?”

Jesus não lhe dá uma simples definição teórica sobre o tema, mas responde com uma parábola que desconstrói todos os nossos esquemas intelectuais: o “próximo” não é definido por afinidade, religião, classe social ou nacionalidade. Pelo contrário, o próximo é, aquele que viu a dor de alguém caído, sentiu compaixão, abriu os olhos ao seu sofrimento e teve a coragem de agir.

O homem caído à beira do caminho

A parábola começa com um homem que seguia de Jerusalém para Jericó. Um caminho perigoso, que podemos cartografar, mas também representa um caminho simbólico. Jerusalém é a cidade santa, é o local onde segundo os judeus habita Deus, Jericó, por sua vez, representa o mundo, as suas seduções e os seus prazeres. Compreendemos assim que esse homem que desce por este caminho simboliza a humanidade que se afasta de Deus, e nesse afastamento, sofre violência, perde o sentido da vida e destrói-se. Este homem não tem nome, pois nele pode estar espelhada a vida de qualquer um de nós: caído na estrada da vida, espancado por fracassos, traições, vícios, injustiças, e abandono.

Uma religião sem compaixão torna-se desnecessária

O sacerdote e o levita, homens do culto e da Lei, peritos nas coisas de Deus, olham para o homem caído a precisar de assistência, mas ignoram e passam adiante, sem pararem. Podiam até ter uma justificação razoável para o fazer, mas a verdade é que a sua religião não foi suficiente para fazê-los ver o sofrimento desse outro que estava no caminho e que deles necessitava. Aqui Jesus deixa-nos uma certeza muito clara: uma fé que não se traduz em misericórdia para com os outros, não serve! Um cristianismo que vê o sofrimento da humanidade, mas que opta por não se envolver nas soluções dos problemas reais dos homens e mulheres deste mundo, trai a própria proposta de Jesus que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida.

O Samaritano como sinal de Jesus

O escândalo da parábola é que o único que se fez próximo desse homem caído na estrada é um samaritano; um estrangeiro, considerado herege pelos judeus e longe da possibilidade de salvação. Mas é ele quem vê o homem caído, comove-se e teve a coragem de se aproximar. Em grego, o verbo usado para “compadecer-se” é o mesmo usado para descrever os sentimentos de Jesus diante da dor humana. O samaritano, portanto, representa a missão do próprio Cristo e é nele que o cristão deve colocar o seu olhar para saber como agir diante dos homens que encontrámos caídos nos dias de hoje. Jesus não apenas ajuda, mas toca nas feridas e as cura, aproximou-se, e não perguntou de onde vinha o homem, porque estava caído, nem tampouco se importou se merecia ser cuidado. Viu um homem ferido que necessitava de ajuda e simplesmente ajudou-o, tornando-se próximo desse homem.

O maior dos desafios: vai e faz o mesmo

No final Jesus diz: “Vai, e faz o mesmo.” Esta é a missão de todos os cristãos: ser sinal do amor de Cristo para o outro, especialmente para os que estão no chão, feridos, rejeitados pela sociedade e abandonados à sua própria sorte sem quem os defenda. A estrada onde estava caído este homem da parábola hoje pode estar muito perto de nós, nos nossos bairros, nas ruas que percorremos diariamente, nas redes sociais, numa travessia clandestina entre o norte de áfrica e a europa. Os caídos hoje são outros, por vezes até lhes conhecemos o nome e o rosto, mas continuam silenciosamente à espera de um olhar e de um gesto de compaixão.

21/07/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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