Uma palavra pascal em tempos de morte
Os cristãos católicos celebram por estes dias, um pouco por todo o mundo, a Páscoa (passagem) de Jesus.

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.
Não se trata de um acontecimento único, mas de uma epopeia que encontra expressão numa série de momentos que conduziram um povo que desde cedo reconheceu que Deus tinha para si um plano, um projeto, um horizonte. Num dado momento, era clara a evidência de que as colheitas de cada ano, ciclo após ciclo, deveriam ser reconhecidas, agradecidas e apresentadas ao Criador. Mais tarde, essa promessa de prosperidade assumiria um alcance muito maior com a fuga do povo hebreu, depois de 400 anos de escravidão, partindo do Egipto para uma terra sonhada, desejada, prometida. Ambas as situações resultaram numa consciência coletiva ancestral, sedimentada na gratidão e na felicidade alcançada porque Deus continuava a ter um plano em marcha, estabelecer o seu reino entre a humanidade. O tempo passou, e com ele, um périplo de grandes acontecimentos, e esse povo esqueceu-se do seu compromisso, de que não deveria ser o único a usufruir das condições do novo reino, nomeadamente da paz. Basta vermos que ainda hoje o que se passa na Terra Santa resulta desse esquecimento do que foi a luta de séculos para ser alcançada a terra prometida.
Passados muitos outros acontecimentos, nasce Jesus, e com ele dá-se uma mudança radical, pois o plano divino não se limitaria a uma geografia, a um povo, a uma nação, mas a um reino de reinos, a um povo de povos, a um lugar onde todos caberiam. O reino em construção não poderia ter a mesma gestão política que até então, em que faraós, reis e imperadores, senadores, e tantas outras figuras de autoridade, utilizavam o seu poder para esmagar, pisar e destruir identidades, vidas, e gerações de pessoas que só conheciam a opressão, a corrupção, a tirania. O reino que Jesus apresentou falaria de liberdade, de uma fé transformadora dos costumes, dos velhos hábitos, de uma vida inesgotável perante os limites físicos e temporais que resultam na morte. A Páscoa de Jesus acaba por ser uma nova chave de interpretação de toda a história entre a criatura e o seu Criador. São assim estabelecidos uma paz e um compromisso entre Deus e os homens porque em Jesus é construída uma ponte evidente, viva, tangível, também inconveniente, justa, agitadora, carregada de esperança. Contudo, Jesus é alvo de perseguição, de tortura e de homicídio.
No seu sofrimento quis assumir o de todo o mundo, de todas as épocas, de todos os territórios. Na sua morte elevou a ideia de uma entrega da própria vida, da doação plena, do sacrifício em nome do outro, ainda que desconhecido. O que ganhou o mundo? Uma orientação, um perfil, uma missão. Fazer das nossas vidas lugares de encontro, de partilha, de reconciliação com a nossa história e a dos outros, viver em plena missão pelo bem de todos, alcançou em Jesus um exemplo maior. Mas ainda mais crucial é a sua ressurreição que faz dos novos cristãos luzeiros de esperança. Afinal a morte não tem a última palavra. Há vida para lá da morte, há vida transformada, há uma luz que persiste e que é resiliente onde existe escuridão.
A Páscoa de Jesus é a clara afirmação de que por muito sofrimento e morte existam hoje, para lá da doença ou dos eventos que não controlamos, é possível acreditar que naquilo onde podemos ter uma palavra, é a ressurreição que faz sentido, é a luz que faz sentido deixar permanecer. O reino de Deus ainda está em construção, a Páscoa ainda não é definitiva, mas está em marcha. As guerras que um pouco por todo o lado se mantêm, e a destruição da vida humana que perdura, encontrará o seu fim quando a Páscoa acontecer na sua plenitude. Jesus abriu a porta e é necessário que a atravessemos, por ora, um a um, mas depois, todos juntos. Há mais vida, e é por isso que todas as lutas que combatemos diariamente, devem ter este horizonte pascal.
Aos nossos leitores desejamos uma santa Páscoa, ou seja, um tempo vivido com os olhos postos na felicidade que desejamos alcançar, certos de que por um de nós que faça a sua parte na transformação positiva do mundo, muito mais próximos estaremos da vida plena que Jesus nos ofereceu.
Aleluia!