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O tempo de todas as guerras chegou…

O título, de cunho apocalíptico tem surgido no meu pensamento com muita constância, pese embora este seja na verdade um tempo igual a todos os tempos. Não sei se chegou o tempo do juízo final, ou se antes, temos vivido continuamente em tempos de fim, mas num ato contínuo onde a paz é sempre demasiado difícil de obter.

O tempo de todas as guerras chegou…

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.

Poderemos, certamente, insistir na certeza de que cada época é única, como cada pessoa que a vive e nela atua. Contudo, não sabemos de um período da humanidade em que em diversas latitudes e em cada momento histórico não tenha vivido a guerra. Sim, a guerra como ela se define: destruição, morte, tortura, desigualdade, injustiça, mentira, isolamento, pobreza, ou simplesmente, completa ausência de bondade. Afinal, vivemos hoje, como ontem, a dura realidade dos egoísmos e da ousadia de sermos todos diferentes.
Para um crente como eu, todos esses períodos de que há memória, ou antes, dos quais temos fontes históricas, ou testemunhos, a esperança também faz parte, porque sem ela não teria havido também acordos de paz, protocolos de desenvolvimento por meio da diplomacia e de negociações de tanta variedade, e que permitiram chegarmos onde chegámos hoje, ao século XXI.

A humanidade foi ganhando, no entanto, uma consciência cada vez mais coletiva e deixou para trás, para o passado, mesmo que recente, a dimensão apenas local, geograficamente do que é distante e desconhecido dos outros. As pequenas guerras de outros são agora as nossas, e mesmo os conflitos são diferentes em forma e feitio.

Fala-se em mais de três dezenas de conflitos armados a decorrer em todo o planeta, a que aliamos as tremendas realidades silenciosas onde o combate se desenrola sem sangue, mas a custo do sangue de tantos. Falamos facilmente do Sudão, da Eritreia, do Niger, da Ucrânia, de Israel ou da Palestina, mas neste tempo de todas as guerras, a fome, a escassez de água potável, a indignidade de apenas algumas pessoas terem acesso à educação, a facilidade com que se silenciam vozes inocentes, embora contestatária porque o mal tem de ser evidenciado e denunciado para ser dissuadido.

Porém vivemos bem. É verdade que a guerra dos outros nos preocupa muito, mas até que ponto me demito de querer fazer diferente, de também apoiar as lutas que devem ser combatidas, não por mal, mas por bem? Neste tempo de todas as guerras vivemos o tempo do premente exame de consciência humanitário. Que faço de diferente? Que contributo dou, mesmo à distância? Talvez não tenhamos de ir todos para a Etiópia, mas como combato o desperdício alimentar ou utilizo a água? Como contribuo para que não falte a comida a um agregado familiar ou mesmo, como lido com aqueles que habitam o meu prédio ou o meu bairro?
Porque a guerra é guerra, pois aquilo que a define não é a escala nem a proporção do exército, mas antes o modo como nos damos e a dado momento passamos a confrontar, e até onde levamos os conflitos, sejam eles na relação com os outros, sejam eles com o nosso meio envolvente, ambiental e social. O tempo de todas as guerras veio quando viemos também, mas hoje sabemos mais que nunca e podemos chegar mais longe nos bons e melhores resultados.
Que faremos então? Travamos as nossas guerras e tentemos recuperar o bem que ainda existe em cada um, com a esperança de sempre, na diferença de poder ser melhor que ontem.

3/11/2023

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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