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JMJ Lisboa 2023: Do CCB em Lisboa saiu uma proposta para um mundo renovado (II)

Na senda das palavras que dirigiu na sua passagem pelo Centro Cultural de Belém, Francisco reconheceu como o mar se tornou lugar de investimento, de uma aposta certa para contrariar os medos, porque onde uns viam o final do mundo, outros adivinhavam a esperança de novas terras, de novas realidades.

JMJ Lisboa 2023: Do CCB em Lisboa saiu uma proposta para um mundo renovado (II)

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.

E é sempre assim que vivemos, entre a curiosidade e o medo, a ânsia de mais e o conforto do que está garantido. E no que respeita aos movimentos migratórios, Francisco voltou a falar da relação comunicante que o mar estabelece entre culturas, mar esse que, noutros momentos, o Papa tem referido como cemitérios da humanidade. E não se pode culpar o mar por ser o mar, mas o homem por ser tudo aquilo que não deveria ser, e por rejeitar a sua dimensão mais bela, de ser humano, próximo, cuidador dos seus. O Papa não faz deste assunto uma mera questão de boa vontade, mas de um tema que a política internacional ocidental deve garantir. Por isso o Bispo de Roma deixou uma interpelação: "Que rota estás a seguir, Ocidente?". As questões dos outros são as nossas, e todas elas são de hoje, mas serão sempre as do futuro, na medida em que a ausência de políticas eficazes, atentas e acolhedoras, trairá a natureza dos povos ocidentais que sabem ser casa para os que procuram por uma vida mais digna.

Partindo dos conflitos existentes um pouco por todo o mundo, o Papa Francisco, salientou na sua alocução uma série de áreas onde todos nós reconhecemos graves lacunas, nomeadamente em Portugal: da educação e da saúde ao estado social. São realidades que se impõem à teoria de tantas e tantas medidas políticas que não se materializam em opções reais, adiando o futuro de tantos que por medo se recusam a organizar a sua vida familiar. Porque não sabem o que esperar do amanhã. Ao invés de tudo isto, o Papa recordava que o grande desenvolvimento tecnológico prefere apostar na sofisticação do armamento militar, pelo que os conflitos armados surgem contrariando compromissos, como o Tratado de Lisboa, onde as vontades por um mundo melhor, mais pacífico, mais equitativo, surge como um sonho, um ideal. Contudo, esse caminho é já conhecido e por isso pode ser sempre percorrido, principalmente pelos jovens que são em si mesmos a oportunidade para a verdadeira mudança esperada. Partindo de uma linguagem profética, essa mudança fala-nos de um mundo transformado, mais perfeito, mais ao jeito da Criação primordial.

A vida surge nas palavras do Papa como mote, desafio, horizonte. Trata-se de garantir a vida do mundo, do planeta, dos seus habitantes, de deixarmos melhor aquilo que encontrámos. Contudo, para que haja mais vida, importa olhar para as pessoas na sua completude, na sua totalidade. Da vida interrompida na gravidez à eutanásia, Francisco não moralizou as fragilidades, mas pediu medidas que impeçam a morte, para que a prática cultural seja de incentivo à vida. E essa vida é também aquela dos migrantes, dos que fogem da morte, como qualquer um de nós fugiria. A ausência dessa solidariedade permitirá o crescimento do populismo, que deve ser desmistificado por meio de uma mudança real a partir de cada pessoa, para que possa depois ser algo politicamente mais bem definido e garantido.

Entre diversos adjetivos com que o Papa Francisco, descreveu Lisboa, salienta-se um que nos fala desse futuro desejado - Lisboa, como cidade da esperança. Não, não se tratou de uma mera simpatia circunstancial, mas antes de um desejo de uma nova realidade a crescer no seio da cidade, no coração das suas comunidades. As políticas não serão abrangentes se não houver uma mudança cultural entre todos. A esperança para os cristãos não se trata de uma mera vontade ou expectativa vã, mas é uma certeza íntima. Quem vive com esperança, sabe que Deus está consigo, e que Ele respeita as decisões de cada um dentro da sua liberdade. Ter esperança é acreditar na melhoria da situação atual. Se o mar é largo, então a esperança é maior ainda, porque não tem barreiras físicas, não tem limites, não tem preconceitos, não tem fronteiras nem muros. E os jovens representam esse olhar crente, impulsivo, autêntico, decidido. A esperança do Papa nos jovens é então essa evidência de que eles serão a certeza de um mundo mais consciente de tudo isto, e por isso melhor que aquele que temos agora. E tudo isto pode e tem de acontecer na cidade grande, onde mais pessoas são desafiadas diariamente a todos estes confrontos com a urgência de uma cidadania realmente cristã na sua essência.

Por fim, Francisco apresentou três temas globais para um caminho a ser percorrido por todos, unidos: o ambiente, o futuro a fraternidade.

Em relação ao ambiente, o Papa tem sido uma voz de denúncia e de pedido de apoio à urgente preservação de diversos povos que residem em lugares explorados economicamente, onde o desenvolvimento significa a destruição de ecossistemas naturais altamente relevantes, como acontece a partir do modo como lidamos com o nosso próprio lixo. A questão ambiental, da casa comum, trata-se da base da qualidade de vida de inúmeras pessoas e de incontáveis espécies em todo o mundo. Numa linha de entendimento crente, o mundo é assumido como dom de Deus, uma oferta inesperada, que hoje a humanidade parece recusar e destruir, esquecendo-se até de si mesma e do seu futuro.

Quanto ao futuro, Francisco foi direto, dizendo que são os jovens o garante da continuidade no progresso, tendo de lutar muito por uma qualidade de vida mais justa. No pacote de diversas medidas pelas quais terá de lutar, o diálogo intergeracional será muito relevante. A relação entre o passado consciente e informado, e um presente esclarecido e disponível, garante um futuro melhor para todos. Essa proximidade que se tem vindo a perder, garante o combate à solidão, ao abandono, à tristeza de não haver estruturas de apoio, de suporte. Os velhos, tem dito o Papa, merecem esse cuidado, essa atenção, mais que aquela que lhes tem sido prestada. Os jovens poderão combater essa ausência, empenhando-se no caminho de aproximação.

Por último, o Papa falou da fraternidade inspirada em Jesus Cristo, presente em movimentos e dinâmicas diversas que se traduzem na amizade, na partilha, na comunidade que se vai edificando. A etimologia da própria palavra 'igreja' significa 'assembleia', de onde o espaço que hoje designamos de igreja fosse entendida pelos primeiros cristãos como 'casa da assembleia', da comunidade. A fraternidade assume-se como a ponte em si, o vaso comunicante que urge estabelecer neste tempo a estes que hoje ainda são jovens, para que enraizados nestes valores, possam contribuir para uma sociedade mais comunitária, mais unida, mais fraterna, mais comunitária.

Nas palavras do Sucessor de Pedro, no Centro Cultural de Belém, diante de uma plateia preenchida de tantos responsáveis pelas decisões políticas e sociais relevantes no país, percebemos que há da sua parte uma ânsia para que todos possam convergir o seu olhar, não na dissolução das diferenças e das várias identidades culturais, mas procurando unir o que está dividido, pacificar o que é permeado de ódio, construir o que está destruído, contribuindo para que tudo quanto ainda falta à dignidade humana, possa ser conseguido. Leiamos as suas palavras e pensemos no que está à nossa mão fazer e ainda não fizemos; as palavras que poderíamos ter dito e ainda não dissemos. Sejamos pontífices como Francisco, e comecemos a (re)construir as nossas próprias pontes, para podermos reparar as maiores que exigem da nossa parte um acompanhamento consciente e uma posição assertiva e informada.

12/01/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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