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Da justiça social ainda por cumprir… (3)

Hoje muitas entidades candidataram-se aos apoios do Plano de Resolução e Resiliência e viram o seu património ser vendido, a sua tesouraria afundar-se escutando da parte do Estado Português um tremendo silêncio e somente a sibilação de que cabe às direções das instituições tomar a decisão de prosseguir ou não com os projetos, aprovados e já pagos. Nem obra nem dinheiro.

Da justiça social ainda por cumprir… (3)

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.

O que podem esperar, o que pode vir a seguir? A pressão entre a necessidade real de fazer obra para responder a quem precisa e a dura realidade de as entidades se sentirem sozinhas é impressionante.

Basta que eu próprio dê o meu exemplo a este propósito. Quando no início deste ano 2023 partilhei com uma técnica do Instituto de Segurança Social com 18 anos a trabalhar naquela entidade pública, sobre esta preocupação autêntica e desinteressada, e lhe pude dizer que não acreditava vir a conseguir avançar com a obra, obtive a acutilante resposta: “Sabe Sr. Provedor, em dezoito anos de trabalho, diz-me a experiência de que muitos dizem que não, que não, mas depois acabam por fazer na mesma”. Eu respondi dizendo como isso era desonesto, mas depois percebi melhor que é essa a forma de trabalhar politicamente o sector social em muitos momentos. Afinal, o Estado espera que as IPSS/Misericórdias tenham dinheiro de parte, património por alienar, amigos e mecenas numa carteira especialíssima de contactos e que lhes permitam nem precisar do financiamento público. Mas não é verdade. Não é e eu posso comprovar isso mesmo. E não apenas eu.

O país está cheio de entidades a trabalhar no terreno com aquilo que podem e conseguem contando com o esforço de voluntários, de apoios por parte dos amigos de sempre, mas que nas condições atuais também se esgotam e cansam e respondem dizendo que é hora de pararem de substituir as respetivas tutelas. Onde pretendemos chegar a coxear deste modo? Onde pretendemos estar dentro de alguns anos havendo dentro do mesmo país uma disparidade avassaladora entre entidades que ora são bafejadas pela sorte ou arremessadas pelo infortúnio que as circunda? Que país queremos ser? Afinal, que democracia queremos para Portugal?

Não se pode esquecer a realidade política democrática por que lutaram tantos, e que tem de ser política, económica, cultural e social, como previsto no art.2º da Constituição da República Portuguesa, documento principal e axial do país. Contudo, falta cumprir. A indiferença de muitos nasce da falta de consciência ou da perda de força, pelo que a união de todos é essencial para que melhores políticas e decisões mais eficazes possam surgir no âmbito da política nacional.

A justiça social, mal entendida e interpretada, merece um reconhecimento mais digno que parta dos decisores políticos nacionais, mostrando como não se pode tratar de um mero conceito assistencial de reação, quando urge que seja um modo de viver em sociedade para que seja ela mesma justa e adequada na resposta às necessidades que tem, evitando a acentuação atual de desigualdades e a incrementação de uma separação cada vez maior e mais profunda entre classes sociais, onde de entre todas as camadas sociais se destacou com particular acentuação a questão da relação entre o envelhecimento e o empobrecimento, havendo mesmo quem diga: “vivemos num país em que os pobres envelhecem e os velhos empobrecem”.

Quando Fernando Pessoa escreveu um dos seus textos poéticos mais marcantes, a “Mensagem”, falava na falta de cumprimento do desígnio de Portugal. E qual o desígnio de hoje se não fazer cumprir a justiça social tão urgente, tão inquietante? Temos de sair desta precária situação de viver num país adiado e cumprir o seu desígnio de verdade, de prosperidade, de justiça para todos e por todos. Está na hora de cumprir Abril está na hora de cumprir Portugal.

17/02/2023

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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