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Abril é Páscoa, é vida

A palavra 'páscoa' traduz o conceito hebraico de "pessach", quer dizer, 'passagem'. Sabemos que o Cristianismo assumiu na sua identidade, logo desde o princípio, este conceito vibrante e desinstalador.

Abril é Páscoa, é vida

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.

O povo hebreu celebrara durante séculos a passagem da morte à vida com a chegada da primavera, que após o inverno, rompia nos verdes campos, nas flores, nas colheitas, na abundância e na prosperidade.

Deus, o Criador, era generoso, cuidador, gerador de vida nova. Mais tarde, com o êxodo a partir do Egipto, o povo de Deus passara a celebrar a passagem da condição de escravo, para uma nova situação, de liberdade, de uma vida retomada, que lhe havia sido retirada e anulada. Deus passara pelo Seu povo e ajudara na libertação.

Séculos mais tarde, Jesus Cristo, morto injustamente, por amor, viria a recriar o significado primaveril da liberdade humana através da Sua ressurreição. Não há mais escravidão, medo ou agrilhões atribuídos pela morte, porque a Vida triunfou. Foi a Páscoa da Ressurreição.

E a história dos homens continuou, com os seus ciclos e contra-ciclos, até que em abril de 1974 se cumpriu uma nova páscoa, desta vez, em Portugal. Sim, não esqueçamos que a liberdade, dom de Deus, deve ser celebrada na sua realidade, na sua adequação à vida de cada um de nós.

Celebrar a passagem da ditadura à liberdade, trouxe uma frescura nova, readquirindo uma nova fragrância para a vida de muitos que exalavam a morte em direitos alienados, esquecidos.

O velho regime representava para muitos uma escuridão que impedia a capacidade de ver melhor, com os próprios olhos, a dignidade que pertence a cada um. Sem esse reconhecimento, sem a consciência de que somos mais que meros cidadãos que cumprem deveres e se deixam moldar por ideologias e por afirmações autocráticas, a vida não pode estar presente, e muito menos a liberdade.

Pelo contrário, somos capazes de ter um olhar sobre o nosso futuro, de decidir, bem ou mal, com erros ou sem eles, mas somos livres, livres, livres. Cada vez que dizemos a palavra liberdade, sintamos que ao mesmo tempo se abre uma flor que exala o perfume da esperança num mundo melhor.

Não será isto a páscoa, e não seria ela também de Deus? Bem sabemos que depois de abril de 74 houve muitos erros, e que muito há a reconciliar nesta nossa história nacional, mas é mesmo aí que a Páscoa acontece, quando triunfa a vida e esta se faz liberdade.

Assim se cumpram as palavras de sabor profético do poeta José Carlos Ary dos Santos: "Agora que já floriu / a esperança na nossa terra / as portas que Abril abriu / nunca mais ninguém as cerra" (1975).

24/04/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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