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Portugal com P de Povo

Este dia 10 de Junho, em que se celebra a independência de Portugal, Pátria soberana há mais de oito séculos, convida-nos a uma breve revisitação histórica que nos permita responder a uma simples pergunta: como foi possível?

Portugal com P de Povo

Foto: Jornal Renovação

Jorge Sarabando é activista cultural com obras publicada sobre história contemporânea, antigo autarca, e dirigente do PCP, com o Curso de Defesa Nacional do IDN.

Tendo fronteira terrestre com um único país vizinho, muito maior em território, população, mais poderoso no plano económico e no militar, como foi possível conservar a independência, vencer um interregno de 60 anos, com os mesmos limites geográficos, apenas com pequenos ajustes?

Lembremos então alguns momentos axiais e um traço comum que os identifica.

Em 1808, estava o nosso País ocupado pelas tropas do General Junot, formou-se em Lisboa uma luzida embaixada com o objectivo de ir pedir a Napoleão, em Bayonne, que nomeasse o oficial comandante das tropas invasoras rei de Portugal. A decisão não era inédita, pois o imperador francês já nomeara outros monarcas em diversos países conquistados. A delegação pretendia, atendendo o seu alto propósito, ser representativa do povo português. Quem a formava devia pertencer aos três estados e assim foi: pelo clero foram dois Bispos, pela nobreza oito das principais figuras da aristocracia e pelo povo dois membros do Senado da Câmara de Lisboa. Percebe-se bem o peso de uns e de outros.(1)

Ao mesmo tempo, os conspiradores prepararam um projecto de Constituição, semelhante à que “se encontrava em vigor no Grão-ducado de Varsóvia”, que acolhia alguma legislação da onda liberal que então se expandia por toda a Europa. Por curiosidade, diga-se que no Preâmbulo se escrevia que os portugueses descendiam dos franceses e, numa antecipação notável, as colónias ultramarinas eram promovidas a províncias. O projecto destinava-se a ser presente a Junot logo fosse proclamado rei de Portugal.

Tudo isto ocorria num país devastado pela violência e a rapina dos invasores, a quem D. João VI, antes de se pôr em fuga para o Brasil, recomendara que fossem bem acolhidos.

A conspiração ficou pelo caminho porque a situação militar em Espanha se alterou e Napoleão não pôde, ainda que quisesse, atender as pretensões da embaixada.

O exército de Junot acabaria por se retirar com armas e bagagens, e o mais que pôde levar, com o acordo do comando das tropas britânicas entretanto chegadas a Portugal. Mais duas invasões francesas se seguiram, tiveram de enfrentar a crescente resistência armada portuguesa, com forte componente popular, e o exército da aliada Inglaterra. O poder absolutista e os ocupantes britânicos reprimiram depois ferozmente as revoltas liberais. Recorde-se a condenação à morte de Gomes Freire de Andrade e de outros militares, em 1817. Governava Portugal o Marechal Beresford. Só a revolução de 24 de Agosto de 1820, com origem no Porto, permitiu recuperar plenamente a soberania e elaborar uma nova Constituição.

Todo este período demonstra que as classes mais privilegiadas se colocaram ao lado dos ocupantes estrangeiros, inimigos ou aliados.
Foi assim em outros momentos decisivos da História de Portugal: na Revolução de 1383-1385, ou na crise de 1580, em que Portugal passou para o domínio filipino – um documento da época assinalava com clareza: para o rei de Castela se inclinou “a nata quase toda da nobreza e a gente de sustância”(2). A Restauração de 1640 teve um decisivo impulso na revolta de Évora três anos antes, um verdadeiro levantamento popular que se estenderia a todo o país, que partiu da contestação de novas sisas para pagar tenças de fidalgos e ordenados em atraso. Uma personagem ficou para sempre – o “Manuelinho de Évora”.

Outros momentos históricos se poderiam evocar e todos têm o referido traço comum: as classes mais poderosas estiveram sempre do lado estrangeiro, prontas a sacrificar a soberania nacional.

Em época mais recente, já depois do 25 de Abril, se pôde verificar a força e o entusiasmo como o poder económico dominante entretanto reconstituído depois da revisão constitucional de 1989, aceitou e promoveu a adesão à União Europeia, a submissão às suas imposições, designadamente as resultantes da criação da moeda única, e das competências atribuídas a centros de decisão como a Comissão Europeia e o Banco Central Europeus. Com naturalidade, como se fosse apenas dependente do livre funcionamento dos mercados, se aceita que a maior parte da Banca portuguesa seja hoje pertença da Banca espanhola. Ou como a mudança de um simples administrador da Caixa Geral de Depósitos tenha de ter luz verde das instâncias europeias. Como parece aceitarem o aumento das despesas militares para 5%, que agora se anuncia.

Compreende-se assim o que esta revisitação histórica evidencia, contrariando o poeta: mudam-se os tempos não se mudam as vontades. Ao longo da nossa longa história, os mais poderosos estiveram sempre do lado oposto ao da Pátria independente e soberana. Uma expressão, datada de 1975, dizia Portugal escreve-se com P de Povo. Assim é.

Mas a soberania nacional é uma componente essencial da democracia, estão estruturalmente ligadas. Menos soberania, menos democracia.

9/06/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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(1) Vd. “História concisa de Portugal”, de José Hermano Saraiva, e “El-rei Junot”, de Raul Brandão.
(2) Vd. “História Concisa de Portugal”.

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