Breve memória do Padre Arlindo
Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha, por todos conhecido como Padre Arlindo, nasceu em 1944, no Bombarral, foi ordenado em 67, e em Novembro de 74 iniciou o ministério de Presbítero da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, cidade onde viria a falecer em Janeiro de 2023.
Foto: Jornal Renovação
Jorge Sarabando é activista cultural com obras publicada sobre história contemporânea, antigo autarca, e dirigente do PCP, com o Curso de Defesa Nacional do IDN.
Inspirado no movimento do catecumenato, nascido durante o Concílio Vaticano II, procurou, ao fundar a Comunidade da Serra do Pilar, outro modo de viver a Igreja, mais integrador e participativo. Como assinalou Frei Bento Domingues, quando a visitou em diversos momentos, nunca encontrou o Padre Arlindo como “dono da Comunidade”, mas “um dos seus animadores mais conhecedor e imaginativo. Não lhe interessava mandar, mas estimular”.(1) Considerou mesmo a história desta Comunidade como “um caso de estudo”.
D. Manuel Linda, Bispo do Porto, diz que agia para que “as pessoas tomassem nas suas mãos o projecto do Evangelho”. Outro testemunho chamava a atenção para a criatividade pastoral e a disposição circular do espaço litúrgico, e o seu trabalho pioneiro de formação católica em catecumenato.
Professor da Universidade Católica, doutorou-se em 1996 pela Universidade Pontifícia de Salamanca, com a tese “S.Gonçalo de Amarante, um culto, um vulto”.
Crítico de cinema durante largos anos no jornal Voz Portucalense, reuniu em livro muitas das suas crónicas.
Autor de livros com múltiplos temas como, por exemplo, o que escreveu sobre o movimento dos padres operários.
Colaborou desde 1985 no Mensageiro de Santo António, publicação da franciscana Ordem dos Frades Menores Conventuais.
A sua obra merece bem ser mais conhecida e estudada. A publicação Sete Margens dedicou-lhe, assim como à Comunidade Cristã da Serra do Pilar, interessantes notas sobre o que foi feito e ainda perdura.
O Padre Arlindo foi um inovador, revelou uma Igreja atenta a todos e a cada um, uma Igreja aberta e fraterna, onde era possível lançar sementes de uma consciência social. Um investigador que falava com entusiasmo dos trabalhos que fazia, tão diversos eram, desde o domínio da história da teologia ou sobre os caminhos do interior para Santiago. Dele se desprendia uma bondade natural e o gosto da partilha.
A sua amizade foi uma dádiva, sempre com ele se aprendia.
Dois momentos aqui recordo.
Um dia, quando falou do filme de Luiz Buñuel Las Hurdes, tierra sin pan, realizado em 1932, proibido em Espanha pela ditadura de Franco. Foi com uma grande emoção que contou tê-lo visto no regresso de uma viagem, há poucos anos, numa instituição religiosa espanhola.
Assim como o convite que me fez, hábito seu com amigos, para assistir a uma celebração dominical, que seria dedicada a Martin Luther King. Aconteceu naquele dia um momento de comunhão e comoção impossível de esquecer.
A Folha Informativa é uma publicação periódica da Comunidade e, na edição da Páscoa de 2018, retomou o tema daquela celebração. Num dos artigos é evocada a luta de Martin Luther King pela igualdade de direitos, contra a segregação racial, contra a guerra, no seu tempo a guerra do Vietname. São lembrados diversos passos dessa longa luta, como a Marcha pelo trabalho e a liberdade, em 1963, ou a de Rose Parks contra a descriminação nos transportes públicos, e reproduzem-se palavras do célebre discurso “I have a dream”. A vida de Martin Luther King teve um trágico fim. O artigo termina com a frase “O corpo jaz o sonho não”(2).
A vida e a obra do Padre Arlindo merecem bem ser conhecidas. Era uma figura da Igreja Católica, mas também da cidadania e dos valores humanos.
22/08/2024
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.
___________
(1) Frei Bento Domingues, O.P., “A inspirada e inspiradora Serra do Pilar”, Público, 29 de Janeiro de 2023
(2) Folha Dominical da Serra do Pilar, 8 de Abril de 2018