O exemplo de Celeste Caeiro
Faleceu recentemente Celeste Caeiro, mulher desconhecida da maior parte das pessoas, mas que com um simples gesto de generosidade e empatia para com os militares obreiros do 25 de Abril de 1974, marcou a imagem da Revolução até aos dias de hoje.
Miguel Friezas é licenciado em Sociologia e activista sindical.
Meio século decorrido do 25 de Abril, pergunto-me até que ponto, teria sido o gesto desta mulher a condicionar a acção militar e, aos olhos de todos, a transformá-la numa Revolução mais colorida e pacífica.
Durante toda a sua vida, e do que é conhecido, embora figura discreta, a Celeste Caeiro sabia que mesmo longe daquela manhã que mudou as nossas vidas, valeu a pena continuar a lutar por um mundo justo onde a cor, a religião, o berço onde se nasce ou qualquer outra diferença, não signifique discriminação ou indiferença pelo Estado.
Nas últimas semanas, todos nós, vimos situações impressionantes em Portugal e no mundo que nos levam a pensar se o mundo está louco! A violência nos bairros, em resultado de mais uma morte numa população bastante estimagtizada, as inundações em Valência, agravadas pelas alterações climáticas e o desprezo dos homens e do lucro pela natureza, e o relatório sobre a pobreza em Portugal, onde mais uma vez se observa que trabalhar, não significa libertar-se da pobreza.
Assistimos, ainda, à discussão de um Orçamento do Estado em que milhões de euros de benefícios vão para as grandes empresas, enquanto trabalhadores e reformados, os salários e pensões vão continuar a manter a trajectória de empobrecimento, num País onde só para pagar a renda da casa, a electridade e a água, significa muitas vezes cortar na alimentação e medicação.
Do outro lado do mundo, com problemas bastante semelhantes, mas a uma escala imensamente maior, assistimos observámos a troca de insultos por parte dos dois principais candidatos à presidência dos EUA. Não nos iludamos, ambos são faces de uma mesma moeda, sendo as suas máquinas de campanha alimentada por multinacionais, nomeadamente do sector do armamento e militar.
Não se nega que, sobretudo ao nível dos direitos laborais, humanos e civis, a eleição de Trump abra caminho a maiores retrocessos daqueles que resultariam da eleição da sua concorrente. Basta ver quem é o principal financiador de Trump: o milionário Elon Musk que, mesmo fora do seu país, não tolera os sindicatos e a ideia da existência de salário mínimo ou de contratação colectiva de trabalho.
E é no meio deste turbilhão, que me vem sempre à cabeça a frase de José Saramago: “Se puderes olhar vê. Se puderes ver repara”. Se o “mal” avança só existe uma maneira do travar: é travar a luta pelo bem comum. Mais do que olhar, precisamos de ver e mais que ver precisamos de reparar, tal como Jesus Cristo fez acontecer durante a sua caminhada.
O mundo atravessa um momento difícil e para o ultrapassar precisamos de apóstolos, de revolucionários, de mulheres e homens dispostos a, com pequenos gestos no dia-a-dia, contribuir para a mudança que tanto precisamos, por um mundo de paz, solidariedade e fraternidade.
Inspiremo-nos no exemplo da Celeste Caeiro, pois até o mais pequeno gesto pode contribuir para mudar o mundo.
21/11/2024
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.