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Abril é o nosso nome

O meu pai cresceu nos campos profundos do Alentejo. Serpa, Aljustrel, Baleizão e Montes Velhos, tudo terras que lhe serviram de palco à fome e à pobreza onde foi criado.

Abril é o nosso nome

Miguel Friezas é licenciado em Sociologia e activista sindical.

A fuga à fome e o conforto veio tantas vezes da bolota roubada à engorda dos porcos pertença dos Senhores daquelas terras. Outras vezes vinha do sabor a manteiga rançosa que as Senhoras davam por caridade aos meninos, filhos dos operários que trabalhavam de sol a sol e mesmo assim não escapavam à fome.

A minha mãe foi mais sortuda. Tinha sempre 2 dedos de chouriço para comer. Vivia numa casa de quatro paredes de cal e terra, uma única divisão com um pano que a dividia em duas para conservar o recato e a sua cama era uma esteira.

Em 1974 quando se deu o 25 de Abril já tinham 2 filhas. Estava determinado que passariam mal toda a vida e que os seus filhos teriam destino autêntico.

Nasci em 1983, por entre as inúmeras dificuldades que os homens e mulheres trabalhadoras enfrentam, felizmente tive acesso a cuidados de saúde que me salvaram a vida um par de vezes, tive acesso a uma educação que me permitiu ambicionar uma vida um pouco melhor que a dos meus pais, tive acesso a uma universidade pública com ensino a distância e que me deu a oportunidade de formar.

Quando o meu pai faleceu em 2000, o meu irmão teve acesso a pensão por orfandade, a minha mãe quando se reformou teve acesso à sua pensão acrescida de uma pensão de sobrevivência. Tudo porque passou a existir uma Segurança Social universal e solidária.

Até a casa de banho e o saneamento básico que tão tarde chegou à nossa humilde casa, passou a ser um dado adquirido nas nossas vidas.

Não somos nem nunca seremos ricos, mas a luz que vejo nos olhos da minha mãe quando vê um futuro para os netos é impagável e mesmo que nem sempre tenha consciência disso, essa luz devemos a Abril e às conquistas que o nosso povo firmou nos anos seguintes aquela bonita madrugada de 25 de Abril de 1974.
Nestes 50 anos de Abril temos duas opções: ficamos do lado dos Senhores e Senhoras ou do lado do povo, da dignidade e da justiça social. Acreditar em Deus obriga igualmente a tomar uma posição: manter os privilégios ou assumir a luta pela igualdade, paz e fraternidade.

Aprendi com os amigos e companheiros da Liga Operária Católica que a escolha é fácil. O nosso nome é Abril e estamos cá para o dizer quantas vezes for necessário.

Viva o 25 de Abril.
Viva as mulheres e homens que lutam por um mundo justo.

23/04/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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