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“Isto anda tudo ligado”

Sou do interior do País, de uma terra que nem sempre conseguiu dar as merecidas oportunidades ao seu povo e por isso mesmo, muitos tiveram de enxugar as lágrimas e emigrar na expectativa de construírem uma vida melhor.

“Isto anda tudo ligado”

Miguel Friezas é licenciado em Sociologia e activista sindical.

Salvo a década imediatamente a seguir ao 25 de Abril, o padrão da emigração forçada manteve-se, atravessando gerações até aos dias que correm, onde temos a geração mais certificada de sempre, mas a quem estão a ser negados direitos fundamentais, como o direito à habitação, à estabilidade no emprego e a uma remuneração que lhe permita viver dignamente.

A emigração não é um fado bonito. Reveste-se de dificuldades, de trabalho sofrido, de fracas condições de vida e sobretudo de muita saudade. Consegui escapar à experiência de emigração, mas chorava só de imaginar a saudade da família. Deve ser tremendo.

Não esqueço, então, que alguns dos políticos que supostamente defendem “a família”, enquanto instituição, não perderam oportunidade de mandar toda uma geração emigrar.

Sempre que um jovem dá o salto em busca de melhores condições de vida, há um vazio e são os jovens imigrantes que o ocupam

Os portugueses são conhecidos por serem um povo trabalhador, mas também são conhecidos por serem acolhedores e pela sua democracia que trata todos por igual.

Desde sempre que Portugal é a casa de muitas nacionalidades e culturas. É por cá que, apesar de tudo, os imigrantes encontram trabalho, um salário e uma casa.

Fugindo da guerra ou da pobreza, é num País que teve a sorte de viver o 25 de Abril e a sua consolidação numa Constituição da República absolutamente progressista e humanista, que os imigrantes, com esforço, conseguem alcançar o seu sonho de uma vida melhor.

À semelhança dos nossos emigrantes, a vida não lhes é fácil, mas trabalham longas horas sem fim, na distribuição de comida, na condução de TVDE, nos campos, na hotelaria, nas fábricas… em todos aqueles trabalhos que os nossos emigrantes deixaram em busca de uma vida melhor além-fronteiras.

Pese serem de culturas e línguas distintas, nunca vi nenhum patrão dizer que não lhe agradava ter mão-de-obra estrangeira, até porque à semelhança do que se passa com os nossos emigrantes, a necessidade que os trabalhadores têm em obter uma forma de sobrevivência, conduz à aceitação de salários mais baixos.

Os imigrantes colmatam as necessidades de mão-de-obra, mais do que isso, contribuem imenso para as prestações sociais e a economia deste País de emigrantes, sem que exista registos de tumultos, criminalidade ou qualquer outra maleita social que com maldade lhe tentam atribuir.

Afinal, são homens e mulheres como qualquer um de nós, perseguem a felicidade, mas tantas vezes injustamente descriminados e injustiçados.

Portugal continua acolhedor, mas começa a sentir-se um cheiro a bafio, um cheiro que vem do passado e que ensombra a solidariedade que Abril nos ensinou.

Hoje é por demais evidente que as diferenças culturais, religiosas, de idioma ou de tonalidade, fazem parte do argumentário de uma agenda política que pretende dividir e colocar trabalhadores contra trabalhadores. Como se diz na gíria popular: “dividir para reinar”.

Uma agenda que recusa a integração plena dos trabalhadores imigrantes, mas que não recusa os lucros que a descriminação gera, seja por via das rendas exageradas, do trabalho mal remunerado, dos horários de trabalho desregulados ou do desinvestimento em segurança e saúde no trabalho.

Uma agenda que muitas das vezes invoca os “valores cristãos” mas que à semelhança do exemplo da “família” só interessa enquanto os privilégios pouco cristãos se mantiverem.

Arautos de uma pureza religiosa etnocêntrica, são de facto uma fraude que atenta contra os princípios mais elementares das grandes religiões: fraternidade, paz e solidariedade.

O mundo e o diálogo inter-religioso têm dado fortes passos na construção de uma sociedade mais justa e humana. O Papa Francisco, pela sua humildade e clarividência tem derrubado barreiras dogmáticas, tem sido um dínamo na consagração do Amor e solidariedade que Cristo defendeu e a Bíblia afirma.

Num quadro político marcado pela xenofobia, pelo racismo e pelo militarismo, todos nós estamos confrontados com a necessidade de nos posicionarmos em relação à forma como encaramos o próximo. Esta é a hora de defender os verdadeiros valores cristãos, dando corpo e espírito à luta pela defesa dos direitos dos imigrantes, pela igualdade religiosa, pelo respeito pelas diferenças, contra a desumanização e a exploração, que sempre nos conduzem à segregação e empobrecimento.

Independentemente de se falar de emigrantes, imigrantes ou trabalhadores no seu País de origem, os valores humanistas passam pelo respeito pelos homens e mulheres trabalhadores, seja qual for a sua nacionalidade. Passa pela inclusão e tratamento igual, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores impedido que o desespero conduza a fracturas sociais ou ao empobrecimento, aumentando o já abismal fosso entre os ricos e pobres.

"Afinal, isto anda tudo ligado".

25/03/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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