Paz para o flagelado Haiti
Em cada ano, do primeiro domingo do Advento até à solenidade da Epifania do Senhor, celebra-se o Mês Dominicano pela Paz. Através desta celebração, a Família Dominicana compromete-se com a defesa da paz e da dignidade humana.
Sérgio Dias Branco é professor da Universidade de Coimbra, dirigente da CGTP-IN, e leigo da Ordem Dominicana da Igreja Católica.
O Mês Dominicano pela Paz inclui acções pastorais, sessões informativas e reflexões, e propõe intenções de oração por um determinado país. Em Dezembro de 2024, o país escolhido foi o Haiti.
A 12 de Janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um sismo de magnitude 7.0. Foi o terramoto mais grave no país em mais de 200 anos e provocou centenas de milhares de mortos e até 1.6 milhões de desalojados. Este desastre natural devastador fragilizou ainda mais um país que se debatia com múltiplos problemas sociais enraizados. Como explica Jeffrey Sachs, professor de economia na Universidade de Columbia, no The Washington Post a 17 de Janeiro de 2010: antes do terramoto, as intervenções do Governo dos EUA causaram graves danos à economia haitiana. No início da década de 1990, Washington impôs um esmagador embargo comercial que destruiu as frágeis indústrias transformadoras do Haiti.
O povo haitiano precisa de paz, solidariedade, e esperança para erradicar a pobreza e enfrentar os terríveis desafios que lhe são colocados no quotidiano. As populações estão vulneráveis à violência e insegurança. O desenvolvimento económico e social do Haiti continua a ser dificultado pela instabilidade política. Os gangues armados controlam 80% do território da área metropolitana da capital do país. Este caos tem sido alimentado internamente por uma “criminalidade política”, como aponta o economista Camille Chalmers, professor da Universidade do Estado do Haiti, visando justificar ingerências, nomeadamente de cariz militar, da América do Norte. As armas e as munições continuam a ser fornecidas em quantidades ilimitadas à ilha.
Segundo Roberson Geffard, num artigo publicado no jornal Le Nouvelliste a 5 de Setembro de 2023, as crianças da rua converteram-se num “terreno fértil para o recrutamento por parte dos gangues armados”. São crianças a quem a infância é roubada. É uma realidade trágica e inaceitável. Só o desarmamento, o abandono da violência, a aspiração à paz, e um caminho de esperança podem dar um futuro digno a estas crianças e ao Haiti.
Um dia, um dos colaboradores dominicanos regressava de Carrefour, um subúrbio da capital haitiana. Testemunhou uma cena que nunca mais esqueceu em Martissant, um bairro sem lei no coração da área metropolitana de Porto Príncipe, bastião de poderosos gangues armados que muitas vezes chocam violentamente com a polícia. Eram 21 horas quando ele e os seus companheiros viram passar à frente do veículo onde viajavam, crianças entre os 9 e 10 anos com armas automáticas na mão. A polícia relata que várias esquadras têm sido atacadas por crianças com essas idades. A violência infantil, fomentada por adultos que entregam armas às crianças e as empurram para actos violentos, tem aberto uma chaga traumática na sociedade haitiana e tem levado, em muitos casos, ao êxodo.
A Família Dominicana celebra o Mês Dominicano pela Paz para chamar a atenção para países em dificuldades, mas com a plena consciência de que a paz é um processo trabalhoso e contínuo que requer um compromisso sustentado no terreno mais do que a mera proclamação. Neste sentido, a comunidade dominicana no Haiti mantém-se firme na esperança perante a violência ao seu redor. Encontra-se a desenvolver um projecto para um Centro de Formação e de Solidariedade, que visa educar para a dignidade humana, o respeito pelos mais vulneráveis, a não violenta, e a solidariedade. O seu objectivo é promover uma cultura de vida, uma sociedade justa, e comunidades construtoras de paz. Trata-se de uma abordagem holística que procura contribuir para a resolução dos problemas do país articulando diversos planos: espiritual, educativo, cultural, e social.
Numa altura em que o Haiti declarou estado de emergência até 21 de Janeiro de 2025, é preciso reconhecer que o seu povo já sofreu muito e que precisa de instrumentos para construir um futuro democrático, justo, pacífico, e desenvolvido, com as suas próprias mãos.
2/01/2025
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