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O activismo católico na construção da paz (4)

Sobre a escalada da guerra na Ucrânia em Fevereiro de 2022, a Pax Christi Internacional emitiu uma declaração, divulgada também pela secção portuguesa, onde se encontramos dois apelos que raramente se ouvem hoje em dia, porque o espaço público de discussão é cada vez menos plural.

O activismo católico na construção da paz (4)

Sérgio Dias Branco é professor da Universidade de Coimbra, dirigente da CGTP-IN, e leigo da Ordem Dominicana da Igreja Católica.

“A diplomacia é a única saída se quisermos preservar a paz.” “Não deixem que a implacável mecânica da guerra prevaleça sobre a paciente busca pela paz. Ainda é tempo de dar à paz a oportunidade que ela merece.” (1)

Vale a pena lembrar que o activismo pela paz que desaguou na criação da secção portuguesa da Pax Christi vem, no entanto, ainda do período fascista. Vem, por exemplo, de iniciativas católicas como a Vigília da Capela do Rato em 30 de Dezembro de 1972, que juntou também não católicos, para uma meditação de 48 horas sobre a paz e a guerra colonial. No dia seguinte, os participantes aprovaram uma moção na qual expressavam repúdio pela política do Governo de “prosseguir uma guerra criminosa com a qual tenta aniquilar movimentos de libertação das colónias,” sem deixar de denunciar a “cumplicidade da hierarquia da Igreja Católica face a esta guerra.” (2) Ao final desse dia, a vigília foi interrompida por forças policiais que entraram na capela, depois de um ultimato, e prenderam os dirigentes da reunião, que foram acompanhados por outros participantes à esquadra de polícia. Os dirigentes ficaram detidos durante duas semanas na prisão de Caxias.

A força deste importante acontecimento de cariz religioso e político não pode ser separada de uma conjuntura específica de convergência de diversos elementos e factores. Desde logo, as posições do Papa Paulo VI de apoio à paz e à auto-determinação dos povos, em especial os povos sob domínio colonial. Na sua encíclica sobre o desenvolvimento dos povos, Populorum Progressio, chega mesmo a defender “a insurreição revolucionária” em casos “de tirania evidente e prolongada que ofendesse gravemente os direitos fundamentais da pessoa humana e prejudicasse o bem comum do país.” (3) A 1 de julho de 1970, Paulo VI recebeu três líderes dos movimentos de libertação das então colónias portuguesas: Amílcar Cabral do PAIGC, Agostinho Neto do MPLA, e Marcelino dos Santos, um dos elementos que dirigia a FRELIMO após o assassinato de Eduardo Mondlane em 1969. A guerra colonial era um tema inescapável, triste, terrível, na sociedade portuguesa e nas famílias, das quais muitos jovens partiam para voltar como cadáveres. A oposição à ditadura fascista aumentava, assim como crescia a politização de sectores católicos. As intervenções de Paulo VI no sentido da promoção da paz, desde meados dos anos 1960, legitimaram a defesa da cessação de confrontos armados em curso e a recusa da guerra como instrumento de resolução de conflitos políticos.

Falta referir uma peça importante do contributo dos católicos para uma mudança de mentalidades que coloque a paz como uma urgência a cada novo ano. Trata-se do Dia Mundial da Paz como celebração anual dedicada à paz universal, promovido pela Igreja Católica. Inicialmente chamado apenas Dia da Paz, o dia é comemorado a 1 de Janeiro, Solenidade de Maria, todos os anos. Foi criado por Paulo VI em 1967, correspondendo às suas preocupações e inspirado na encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII, sobre os fundamentos da paz entre os povos, dirigida a todas as pessoas de boa vontade. (4)

3/03/2023

Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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(1) Pax Christi Internacional, “Declaração da Pax Christi Internacional sobre a escalada da situação na Ucrânia,” Observatório da Pax, 25 Fev. 2022, https://blogdapax.blogspot.com/2022/02/declaracao-da-pax-christi-international.html.
2) Assembleia da República, “Vigília da Capela do Rato (1972),” https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Vigilia-capela-rato.aspx.
(3) Papa Paulo VI, carta enc. Populorum Progressio (sobre o desenvolvimento dos povos), 26 Mar. 1967, 31, https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html.
(4) Papa João XXIII, carta enc. Pacem in Terris (sobre os fundamentos da paz entre os povos: verdade, justiça, amor e liberdade), 11 Abr. 1963, https://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html.

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