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Morrer e Viver na Palestina

Entre 15 e 19 de Maio deste ano, o movimento pela paz da Igreja Católica, Pax Christi, com uma secção em Portugal, desenvolveu a campanha “Refletir sobre a Nakba, Abraçar o Pentecostes”. Ao longo desses dias, divulgou testemunhos contra a guerra e a favor da não-violência que emergem da Palestina.

Morrer e Viver na Palestina

Sérgio Dias Branco é professor da Universidade de Coimbra, dirigente da CGTP-IN, e leigo da Ordem Dominicana da Igreja Católica.

O título do evento reflectia a posição da Pax Christi sobre a necessidade de recordar a Nakba (Catástrofe). A 15 de Maio de 2023, nos 75 anos da Nakba, a organização emitiu um comunicado que recordava que “mais de 750 mil palestinianos foram expulsos, forçados pela violência, pelo medo ou pela intimidação a fugir das suas casas. Mais de 400 cidades palestinianas e aldeias foram intencionalmente destruídas pelas milícias que mais tarde se tornariam as Forças de Defesa Israelita. Outros milhares tornaram-se pessoas deslocadas internamente no recém-criado Estado de Israel.”

O ponto da declaração, no entanto, é que a “Nakba não foi apenas um marco histórico, mas um flagelo sem fim. Hoje, o trauma da Nakba continua com cada ordem de despejo, demolição de casas ou escolas, incursão militar numa aldeia, num campo de refugiados ou local de culto, desaparecimento de oliveiras antigas e preciosas, confisco de terras, e todas as crianças ou todos os presos políticos presos no buraco negro da detenção administrativa.”

A Palestina tem sido palco de sucessivas guerras, com um enorme rasto de destruição e morte que é indissociável da situação descrita pela Pax Christi. A 7 de Outubro de 2023, decorreu o ataque terrorista coordenado pelo Hamas a partir da Faixa de Gaza para o sul de Israel. Vitimou 1 143 pessoas, entre as quais 767 civis, incluindo 36 crianças, e resultou em múltiplos feridos e mais de 200 reféns.

A resposta militar israelita a este inaceitável ataque iniciou-se em 27 de Outubro do mesmo ano. Danificou ou obliterou mais de metade das casas de Gaza, pelo menos um terço das suas árvores e das suas terras agrícolas, a maioria das suas escolas e universidades, centenas de marcos culturais, e dezenas de cemitérios e locais de culto. No fim de Maio deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a morte de 24 686 pessoas em Gaza, incluindo 7 797 crianças, 4 959 mulheres, 1 924 idosos, pelo menos 496 pessoal médico, 153 funcionários da ONU, e 200 jornalistas. Estes números excluem os conflitos na Cisjordânia. O grau de destruição de vidas humanas, infra-estruturas, e recursos em pouco mais de seis meses faz com que só se possa falar num massacre que não olha a meios para os fins e não reconhece ao povo palestiano a mesma dignidade e direito à vida que ao povo israelita.

Assim se morre na Palestina. A questão urgente é como será possível viver na Palestina?

A Igreja Católica, através da Pax Christi e outras organizações, e o Papa Francisco e outras figuras como o franciscano Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém, não se têm cansado de falar a verdade e de defender um caminho de paz. Este caminho parece quase impossível neste momento, mas é precisamente por isso que tem de ser abraçado em vez de abandonado como se não houvesse alternativa à violência e à guerra.

A 1 de Novembro de 2023, numa entrevista ao canal de televisão italiano Rai Uno, Francisco insistiu: “Dois povos que devem viver juntos. Com essa solução sábia: dois povos, dois estados. O acordo de Oslo: dois estados bem delimitados e Jerusalém com um estatuto especial.” De facto, em Israel e na Palestina, não faltam vozes contra a guerra em Gaza, pelo cessar-fogo imediato, e pela negociação pela libertação de reféns e prisioneiros.

Há ainda quem olhe mais além, para o que virá depois deste brutal conflito armado, sustentando laços que serão as fundações para um projecto esperançoso de futuro. A 18 de Maio deste ano, o Papa juntou milhares de pessoas numa iniciativa pela paz realizada em Verona. Nela abordou, mais uma vez, a situação desesperada na Faixa de Gaza. Francisco destacou os testemunhos de dois activistas pela paz: o israelita Maoz Inon, que perdeu a mãe e o pai no ataque do Hamas, e o palestiniano Aziz Sarah, cujo irmão morreu na sequência de maus-tratos numa prisão israelita onde estava preso por ter atirado pedras às forças militares ocupantes. Ambos falaram e declararam que é a dor e o sofrimento que os une. A paz diz-se de muitas maneiras — “shalom” ou “salam” —, mas só pode ser construída através da compaixão e da cooperação.

8/07/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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