“Guerra Preventiva” ou Prevenção da Guerra
Os recentes ataques militares de Israel, acompanhada mais tarde pelos Estados Unidos, ao Irão em meados de Junho foram apresentados como tendo o objetivo de destruir o programa nuclear iraniano.

Sérgio Dias Branco é professor da Universidade de Coimbra, dirigente da CGTP-IN, e leigo da Ordem Dominicana da Igreja Católica.
Como era de esperar, as consequências em termos de destruição de infra-estruturas e baixas humanas foi vasta, não só por causa dos ataques, mas também devido à esperada retaliação. Estes novos episódios dos conflitos no Médio Oriente reanimam a discussão em torno da chamada “guerra preventiva.”
Muitas vozes compararam este ataque ao Irão à invasão do Iraque a partir de 20 de março de 2003 por uma força militar multinacional liderada pelos Estados Unidos. Aproveitando a comparação, vale a pena relembrar a posição sobre essa agressão do futuro Papa Bento XVI, que colocou a paz como um tema central do seu pontificado, opção mais tarde plenamente assumida pelo Papa Francisco. Como cardeal, Joseph Ratzinger foi um crítico feroz da guerra. Em 2002, perguntaram-lhe se a intervenção militar americana seria justa. “Certamente que não,” disse ele, acrescentando: “Tudo o que posso fazer é convidá-los a ler o Catecismo, e a conclusão parece-me óbvia… o conceito de guerra preventiva não aparece no Catecismo da Igreja Católica.” Depois da invasão ter começado, Ratzinger não parou de criticar a violência e o imperialismo dos Estados Unidos. Segundo ele, “era justo resistir à guerra e às suas ameaças de destruição,” pois “[n]unca devia ser responsabilidade de apenas uma nação tomar decisões pelo mundo inteiro.”
O conceito de “guerra justa” tinha sido distorcido por George Weigel e outros neoconservadores que se apresentam como católicos para apoiar uma guerra à qual a Igreja Católica se tinha oposto. Por isso, numa conferência de imprensa em 2 de maio de 2003, após sugerir que talvez fosse necessário rever a secção do Catecismo sobre a guerra justa, Ratzinger apresentou uma reflexão que transcendeu a guerra no Iraque: “Não havia razões suficientes para desencadear uma guerra contra o Iraque. Sem mencionar o facto de que, dadas as novas armas que possibilitam destruições que vão além dos grupos combatentes, hoje deveríamos perguntar-nos se ainda é lícito admitir a própria existência de uma ‘guerra justa’.” Mais de 20 anos, e perante armas ainda mais destrutivas, vale a pena pensar seriamente sobre isto.
No seu pontificado, Bento XVI expôs vezes sem conta o complexo militar-industrial — uma expressão de um modelo económico que “os obreiros da paz” devem rejeitar por não servir o bem comum, mas a “maximização do lucro e do consumo,” como disse na sua última mensagem para o Dia Mundial da Paz em 2013. Na sua primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz em 2006, Bento XVI tinha colocado com vigor a necessidade do desarmamento, afirmando que “não é possível deixar de registar com pena os dados de um aumento preocupante dos gastos militares e do comércio sempre próspero das armas, enquanto permanece atolado no pântano duma indiferença quase geral o processo político e jurídico actuado pela Comunidade Internacional para consolidar o caminho do desarmamento. Se se continua a investir na produção de armas e na pesquisa para criar novas, que futuro de paz será possível?”
Com o seu estilo próprio, o Papa Leão XIV tem seguido nas pisadas dos seus antecessores mais directos. Depois dos primeiros bombardeamentos de Israel no Irão, num discurso proferido em 26 de junho na Reunião das Agências de Ajuda às Igrejas Orientais, Leão XIV denunciou a imposição “do princípio de que ‘a força faz o direito’ […] em prol da legitimação da busca do interesse próprio.” E deixou uma pergunta colocada no contexto do aumento significativo de gastos militares no contexto da NATO: “Como podemos continuar a trair o desejo dos povos do mundo pela paz com propaganda sobre o aumento de armas, como se a supremacia militar resolvesse os problemas em vez de alimentar ainda mais o ódio e o desejo de vingança?”
Em vez de “guerra preventiva,” a humanidade anseia pela efectiva prevenção da guerra. Um caminho para prevenir os conflitos armados é a “diplomacia da esperança,” proposta pelo Papa Francisco, que enfatiza uma compreensão partilhada da realidade, repara relações dilaceradas pelos conflitos violentos, defende uma abordagem multilateral de cooperação no respeito pela soberania dos estados, promove o desenvolvimento humano integral, e enfrenta a polarização social. No dia seguinte à sua Missa de Inauguração como Papa, Leão XIV saudou as delegações das outras igrejas cristãs, comunidades eclesiais, e outras comunidades religiosas, com palavras que seguem esta mesma doutrina. Eis o seu apelo: sermos “eficazes em dizer ‘não’ à guerra e ‘sim’ à paz, ‘não’ à corrida aos armamentos e ‘sim’ ao desarmamento, ‘não' a uma economia que empobrece os povos e a Terra e ‘sim’ ao desenvolvimento integral.”
7/07/2025
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