top of page
Pedro.Estorninho.jpeg

Reflexão: Pedro Estorninho
Reflexões?

Pedro Estorninho é encenador e escritor, director artístico da companhia TEatroensaio de Arraiolos, e católico.

“Só é culto quem acredita!” — frase que não esqueço e que me foi dita (ou pelo menos prestei-lhe a devida atenção) pela voz do meu pai, homem da Música, tanto como profissional como melómano, teria cerca de 9 anos. Mais tarde no tempo, leio numa entrevista da pintora Graça Morais que diz/afirma a determinada altura: “Só é culto quem confia.”

 

Penso que estamos perante duas belíssimas e fortes afirmações.

 

Friedrich Dürrenmatt, num congresso sobre o trabalho do dramaturgo e encenador Bertolt Brecht, dos muitos em que participou, se não me falha a memória este na Suíça, confronta o auditório com uma questão: “Poderá o mundo de hoje ser, apesar de tudo, reproduzido pelo teatro?” Eu acrescento: pela Arte?

 

É acerca disto, do mundo de hoje, que vou reflectindo e partilhando pensamentos.

 

Os (des)avanços políticos nos últimos anos têm vindo a mostrar que o caminho está e será cada vez mais penoso para “as gentes” da cultura. Os tais que ainda acreditam, confiam (tentam confiar) para os que, apesar de tudo, insistem em querer pensar o mundo. A crise política/intelectual em que o planeta (sim, o planeta) vive, reflecte-se massivamente na sociedade contemporânea — ou vice-versa? Deixo aqui a questão.

 

Uma palavra impera: desencanto! Não somente tristeza, aflição, até mesmo desespero, desencanto visível, palpável. Palavras como acreditar, confiar, reflectir foram “forçosamente” e habilmente retiradas do vocabulário das nossas vidas. (Vã tentativa?) E com isso vai também desaparecendo certamente uma das maiores criações da humanidade: a Linguagem!

 

É incondicionalmente através da Linguagem, da palavra, do poder de argumentação que eu me dou a conhecer e que eu conheço. Que eu consigo, posso e tenho o direito de pensar, de criar e atingir o estado de graça da Liberdade. É através da Linguagem, que se vence o medo e que se podem quebrar os mais altos muros.

 

Esta é certamente uma das mais importantes ferramentas que temos, que trabalhamos na arte. Independentemente do meio utilizado para comunicarmos, para dizer o que temos a dizer, a quem (generosamente) ainda vem a uma sala de teatro, vê uma exposição, compra um livro, assiste a um concerto, etc. No fundo, ainda acredita!

 

O conhecimento da palavra, das palavras é um dos actos mais revolucionários que podemos dispor nos dias de hoje. Junto-lhe o acto de pensar.

 

Contudo (e como já disse) é efectivamente um caminho penoso e um combate, a maior parte das vezes, desleal.

 

Assistimos e vemos gratuitamente o entretenimento ocupar o espaço da Cultura, a impunidade dos crimes públicos que se cometem contra a esperança, contra o sonho. Os atentados não são novidade (poderia enumerar aqui um rol deles) e são seculares, veja-se o teatro que conta com cerca de três mil anos de existência tendo começado naquela (à época) pequena localidade chamada de Atenas, e apesar de tudo (reafirmo: apesar de tudo) chegou aos dias de hoje (afinal vale a pena acreditar!).

 

Virgílio Ferreira, no seu livro Alegria Breve diz: “Do desastre universal, ergo-me enorme e tremendo.”

 

Attila József, num dos seus poemas, assim diz: “Por vezes correndo/outras caminhando devagar/muitas vezes com medo/mas sempre no meu posto.”

 

Ergamo-nos sempre sem medo de pensar!

11.12.2022

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

bottom of page