Votar e lutar pela liberdade, a justiça, o progresso social e a Paz
Estão aí as eleições legislativas de 10 de Março. Em coerência com a sua intervenção na vida dos crentes, é tempo de a Terra da Fraternidade tomar posição.
Sérgio Dias Branco é professor da Universidade de Coimbra, dirigente da CGTP-IN, e leigo da Ordem Dominicana da Igreja Católica.
Deolinda Carvalho Machado é professora, dirigente associativa e da LOC-MTC.
Joaquim Mesquita é operário fabril do sector alimentação, dirigente da CGTP-IN, e militante da Base-FUT e da LOC-MTC.
Artur Ribeiro é comerciante e foi Vereador na Câmara de Matosinhos e coordenador do Grupo da CDU.
Nicolas Fernandez é jornalista e mediador de conflitos.
Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.
Muitos nos têm chamado “a esquerda religiosa”, uma verdade efectiva mas redutora relativamente à nossa acção, que pugnamos por ser abrangente, inclusiva e plural, do ponto de vista religioso, cultural, social, ambiental, económico e político, para novos caminhos de transformação e avanço da humanidade
A gravidade da situação, o contexto político e eleitoral, a esperança e luta dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, dos pobres, do povo em geral, são factores ineludíveis nesta posição.
A um mês dos 50 anos da Revolução de Abril é mais que justificada a preocupação com o presente e o futuro da democracia no nosso País.
É o tempo do descontentamento pela não resolução dos graves problemas sociais - enquanto bancos e grandes empresas amassam lucros de milhares de milhões de Euros -, e se aprofunda a ofensiva de um discurso de afronta aos valores democráticos, baseado na mentira, na intolerância, na irracionalidade, ao serviço de interesses obscuros, que suscita justas preocupações quanto à degradação da democracia.
É o tempo de aumento brutal da exploração dos trabalhadores - queda do peso dos salários no rendimento nacional, acentuada degradação salarial, crescimento da precariedade, das desigualdades e da exploração de imigrantes a baixo custo e em condições sub-humanas.
É o tempo da degradação de serviços públicos, a que cumpre garantir direitos fundamentais e conquistas sociais de alcance histórico - no acesso à saúde, onde o SNS se degrada para dar lugar a privados, sustentados em larga medida por recursos públicos; no acesso à educação e ensino, com a deterioração do funcionamento da escola pública; no desastre do acesso à habitação; no acesso à Justiça, onde as custas afastam a população da garantia de direitos legítimos: na eletricidade, correios, telecomunicações, combustíveis, transportes, nas mãos de grupos económicos, com consequências desastrosas para o interesse público e a qualidade e custo dos serviços prestados.
No plano comunicacional, com a imposição de um pensamento único, com a concentração dos média nas mãos de grupos económicos, um fortíssimo elemento de degradação da democracia política e cultural, com os interesses do capital a sobrepor-se à verdade, pluralismo e qualidade da informação e a impor uma informação sensacionalista com linhas editoriais manipuladas pelo poder económico.
No plano da cultura, em que a falta de investimento e de um serviço público de cultura conduz à sua mercantilização e elitização, privando largas camadas da população do acesso à criação e fruição cultural.
No plano político, onde está instalado o “são quase todos iguais” e a “corrupção endémica”, a promiscuidade das “portas giratórias” entre poderes públicos e lucros privados, que lançam o descrédito sobre as instituições e a capacidade da Justiça enfrentar os poderosos.
Não foram as políticas à esquerda que criaram esta grave situação, antes pelo contrário! Foi o abandono de alguns avanços e conquistas da XIII legislatura, apoiadas amplamente à esquerda, foi a fuga ao seu aprofundamento e a sua substituição por políticas de direita – nos salários e serviços públicos - pelo Governo de maioria absoluta e cortes no défice de inspiração neoliberal, mesmo que se reclame “de esquerda”, que contribuíram para o agravamento das desigualdades e do mal-estar social e para a contestação à própria democracia. Ficou provado que as maiorias absolutas de um só Partido não servem o povo e o País.
A alternativa proposta pelo capital financeiro face ao descontentamento gerado por políticas que servem os seus interesses é manter essas mesmas políticas, eventualmente com outros protagonistas. E se o funcionamento da democracia for um obstáculo ao prosseguimento dos seus negócios, é a democracia que está a mais e há então que a degradar, desacreditar e, se necessário, liquidar.
O grande capital não é e nunca será democrata. Mas tem e terá pela frente a resistência e luta dos democratas, dos trabalhadores e do povo – crentes e não crentes -, dos que não se resignam com retrocessos e têm coragem e força bastantes para defender e aprofundar as conquistas e valores da liberdade e da democracia, política, económica, social e cultural, consagrada na Constituição da República.
Não há como não ouvir o Papa Francisco que define o capitalismo como «economia que mata» na Evangelii Gaudium e diz na Laudato SI’: a “«política não deve submeter-se à economia» (LS§189), «pode ser necessário pôr limites aos que detêm maiores recursos e poder financeiro» (LS§129), «precisamos de uma política que leve por diante uma reformulação integral» (LS§197).
E na Fratell Tutti: o «trabalho (deve ser) uma dimensão essencial da vida social» (FT§162) e propõe «desenvolvimento humano integral» (FT§21), «terra, teto e trabalho para todos» (FT§127), «organização da sociedade (que) assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades (para o) desenvolvimento do mundo e viver como povo» (FT§162). O Papa defende a «luta legítima» (FT§241) e valoriza «o povo na sua luta diária» (FT§169) para «tirar o poder ao opressor» (FT§241).
Poderíamos juntar citações de outras religiões, mas importa mais assumir, em 10 de Março, que por muito grandes que sejam os perigos, nunca serão maiores que a confiança serena, a acção comprometida e a determinação do nosso povo na defesa da democracia, da liberdade, da fraternidade, do humanismo progressista e dos valores de Abril.
A direita nunca será alternativa às políticas de direita. A alternativa terá de ser construída à esquerda, com o voto, a intervenção e a luta com as forças políticas mais firmes e consequentes.
Como se afirma na Declaração de Princípios da Terra da Fraternidade: com «a união e o esforço conjunto de quem se empenha na construção de uma sociedade e um mundo assente na justiça, na solidariedade, e na fraternidade — de respeito pela dignidade humana, de igualdade social, de liberdades e direitos dos cidadãos, de aprofundamento da democracia, de primazia do trabalho sobre o capital, de desenvolvimento económico e justa repartição da riqueza, de destino universal dos bens, de acesso e diversidade cultural, de equilíbrio ambiental, de soberania e independência nacional, de paz, amizade e cooperação entre os povos, e de desarmamento generalizado».
7 de março de 2024