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Uma reflexão sobre o XXII Congresso do PCP: - debate, convergência, confiança

Decorre esta semana o XXII Congresso do PCP, cumprindo a regularidade dos quatro anos, para aferir e actualizar a sua análise e intervenção no plano nacional e internacional e renovar os seus órgãos de direcção, em vez de um desfile de ambições e guerras internas

Uma reflexão sobre o XXII Congresso do PCP: - debate, convergência, confiança

Sérgio Dias Branco é professor da Universidade de Coimbra, dirigente da CGTP-IN, e leigo da Ordem Dominicana da Igreja Católica.

Deolinda Carvalho Machado é professora, dirigente associativa e da LOC-MTC.

Joaquim Mesquita é operário fabril do sector alimentação, dirigente da CGTP-IN, e militante da Base-FUT e da LOC-MTC.

Artur Ribeiro é comerciante e foi Vereador na Câmara de Matosinhos e coordenador do Grupo da CDU.

Nicolas Fernandez é jornalista e mediador de conflitos.

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.

Júlia Amorim é professora, Dirigente Nacional do MDM e eleita pela CDU na Assembleia Municipal de Constância

Para os católicos e crentes progressistas, que intervêm em múltiplas frentes para construir um mundo de justiça, solidariedade e paz, do ponto de vista económico, social, cultural, religioso e político, o Congresso do PCP merece atenção.

Desde logo, porque, ao contrário de alguns outros, resulta de meses de trabalho colectivo, com centenas de reuniões, elaboração rigorosa de textos e larga introdução de propostas, e em que estes dias finais são de apuramento e não de “contagem de espingardas”.

Os membros do PCP procuram levar à sociedade e à luta – e esta é uma ideia força na intervenção comunista - a sua “natureza de classe”, de partido que se define “da classe operária e de todos os trabalhadores, inteiramente ao serviço do povo português e de Portugal”, matéria em que se distingue dos que escondem compromissos inconfessáveis.

Os comunistas assumem - concorde-se ou não -, uma linha de orientação, um programa e políticas consistentes à esquerda, decorrentes da Constituição de Abril, que define que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. O PCP não navega na incoerência ou falsas promessas, nem muda de princípios para “o que está a dar” dos grupos económico-mediáticos e dos grandes interesses.

Como noutros partidos, no PCP participam cristãos e crentes de várias religiões, mas neste caso isso não constitui instrumento de propaganda ou de intervenção nas organizações religiosas.

Desde 1943, no 3º Congresso, na clandestinidade, o PCP decidiu que qualquer crente pode ser membro do Partido, sem que se questione a sua religião.

Foi então aprovado um texto de Álvaro Cunhal sobre “a unidade da nação portuguesa na luta pelo pão, a liberdade e a independência”, que integra a tese “a mão estendida aos católicos”. Foi assim o PCP a primeira força política que propôs e desenvolveu a intervenção conjunta com os crentes contra a ditadura de Salazar e Caetano.

O texto de Cunhal dizia “não fazemos “guerra à religião” e não pretendemos atingir a liberdade de crença e de culto, estendemos lealmente a mão aos católicos para que participem no movimento nacional contra o fascismo”, “houve erros de intolerância em 1910 que não devem repetir-se”, a participação da massa de crentes na luta contra o fascismo crescerá “na medida em que saibamos respeitar as suas crenças e (ser) os melhores defensores da liberdade de consciência”.

Mais tarde, reforçou esta ideia: “o PCP respeita rigorosamente as crenças religiosas, opondo-se a qualquer ofensa aos sentimentos religiosos. Os interesses e aspirações dos portugueses identificam-se e contradizem-se pelas classes (sociais) a que pertencem e não pela religião que professam, na inteligência e no coração do povo podem coincidir a crença religiosa e a luta pela liberdade e a democracia, os ideais do socialismo, a solidariedade e a fraternidade humanas”.

E ainda, “as convicções religiosas não são susceptíveis de afastar os homens na realização de um programa social e político, comunistas e católicos podem e devem unir-se em defesa (de) anseios comuns”. O fascismo replicou que "é impossível o entendimento entre católicos e comunistas”. O PCP insistiu “que aquilo que nos separa nada é comparado com o que nos une” e ficou claro que muitos católicos militavam nas suas fileiras ou convergiam nas suas acções como independentes.

Nos anos 1940, 1950 e 1960, a partir de uma reunião entre o Padre Abel Varzim e membros do PCP, avançou a aproximação entre comunistas e sectores católicos. O Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que enfrentou a ditadura em 1958, e muitas centenas de católicos integraram e alavancaram a luta democrática, antifascista e anticolonial.

Em grandes e pequenas lutas, em toda a parte, nas prisões e até no combate à tortura e aos assassínios fascistas, na decisiva luta de massas, dos trabalhadores e do povo, pela liberdade e contra a guerra, a convergência e unidade na luta, do PCP com os crentes progressistas e destes com os comunistas e outros democratas trouxeram o País até ao 25 de Abril de 1974 e às avenidas da democracia, da igualdade, da fraternidade e da paz.

O PCP deu um importante contributo para a convergência de católicos e outros crentes, comunistas e outros democratas, e a justeza desta orientação comprovou-se na participação de “católicos da revolução”, padres e leigos progressistas, nos movimentos sociais, nas frentes da unidade antifascista, nas lutas da crise da ditadura, na Revolução de Abril e, até hoje, na construção e defesa da democracia, confirmando o respeito mútuo, entre o PCP e os crentes progressistas, como único pela sua natureza e relevância na vida política nacional.

Em 1974, com milhares de católicos inscritos no PCP, Álvaro Cunhal afirmou em Braga uma ideia de grande actualidade: “os comunistas defendem boas relações do Estado com a Igreja. Esta política não se baseia em critérios de oportunidade, mas sim numa posição de princípio. O mundo evolui e a Igreja Católica mostra indícios de evolução positiva, (que hoje se confirma). Confiamos que os mais esclarecidos compreendam a sinceridade (e) as profundas implicações para o presente e o futuro desta posição do PCP”.
Estas relações aprofundaram-se e tornaram-se num novo contexto de aproximação, em que muitos crentes se revêem, em diálogo e convergência, com confiança na luta transformadora protagonizada pelos comunistas e muitos outros democratas..

Hoje, numa situação grave para o País e o Mundo, as grandes causas de acção unitária, antifascista, progressista e de luta pela paz mantêm toda a actualidade, e também por isso, para além de diferenças de opinião que importa sempre continuar a debater, o XXII Congresso do PCP é um momento importante para ir mais longe na intervenção de católicos e crentes progressistas, em convergência com os comunistas e outros democratas comprometidos na defesa da soberania, por um Portugal com futuro e um mundo de justiça e paz.

10 de dezembro de 2024

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