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Reflexão: Fernando Abreu
Os católicos e o 25 de Abril

Fernando Abreu ex- Presidente da Direcção da LOC e ex-Director do Centro de Cultura Operária.

Ao abordar este tema, não posso deixar de lamentar o suporte que a hierarquia da Igreja e a maioria dos católicos deram ao regime deposto a 25 de Abril, a mais duradoura ditadura europeia que se manteve no poder alicerçado na censura e nas forças repressivas da GNR e da PIDE/DGS, e da Censura.

 

Não obstante o apoio de que beneficiou da parte de sacerdotes e leigos, não se pode ignorar que, não obstante a sua baixa expressão numérica, sempre houve católicos contestatários do regime salazarista.

Contestação que teve nos Movimentos Operários da Acção Católica: a JOC - Juventude Operária Católica e a LOC – Liga Operária Católica os seus principais precursores, e cujos dirigentes, militantes e assistentes eclesiásticos mantiveram uma postura de desafecto em relação ao regime, a qual, por ser pouco divulgada, julgo merecedora de ser recordada nesta data Comemorativa da Revolução do 25 de Abril de 1974.

                                                            

Aqueles dois Movimentos, fundados em 1936 tiveram a coragem e a capacidade de denunciar como falsa a afirmação governamental de que a sua política se regia pelos Princípios da Doutrina Social da Igreja, doutrina que, em alguns aspectos não podendo ser considerada progressista, propunha a justiça social, a livre organização dos trabalhadores em sindicatos, bem como o direito à greve. Pelo, até pela repressão de que foram vítimas, não é correcta a afirmação, não raras vezes, expressa por Órgãos da Comunicação Social e, até, por historiadores, de que a confrontação católica ao regime salazarista teve seu início após o Concílio Vaticano II ou na Carta do  Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Salazar.

 

Tanto a JOC como a LOC publicavam jornais, e era através dos seus Órgãos de Comunicação, respectivamente o “Juventude Operária” e “O Trabalhador”, que denunciavam as precárias condições de vida dos trabalhadores e do povo pobre e defendiam medidas de justiça social, pelo que a Censura os tentava silenciar sendo alvo de constantes cortes discriminatórios.

Por ser dirigido a um público adulto, e por estar a conseguir elevada aceitação no meio do operariado, a publicação de “O Trabalhador” foi proibida a título definitivo, não sem que o SNI – Secretariado Nacional de Informação (Instituição de Propaganda do Regime) tivesse proposto à LOC a compra do Título do jornal, proposta que, obviamente, foi recusada.

A JOC, por seu turno, era alvo de actividade condicionada por rigoroso controlo pidesco da rede de Informadores existente por todo o país, proibição de actividades, assim como com a interdição de publicar as Conclusões dos seus Congressos.

Tais medidas, contudo, não travaram a contestação destes Movimentos, tendo a sua postura influenciado, posteriormente, o posicionamento dos Movimentos da Acção Católica Rural, Escolar e Universitária.

Salazar, manifestou-se, desde sempre, receoso com a existência da Acção Católica e, de modo especial, com a existência de Movimentos Operários na Organização, pelo que defendia junto da hierarquia que a Organização devia ser de carácter geral, logo, sem a existência de Organismos especializados, pelo que o seu governo impediu que a Acção Católica fosse expressamente reconhecida na Concordata estabelecida com o Vaticano, situação a que recorria sempre que, como sucedeu, ameaçava dissolvê-la.

Tal receio, teve confirmação, quando, após as Eleições Presidenciais a que concorreu o General Humberto Delgado, o Director da PIDE com quem reunia semanalmente, lhe deu conta da elevada participação de militantes e dirigentes da Acção Católica na Campanha de apoio à Candidatura do General, situação que  o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, lhe confirmou ao referir na Carta que lhe dirigiu que  a  campanha a eleitoral “revelou de forma irrefragrável e escandalosa que a Igreja está perdendo a confiança dos seus melhores” e que “os mais responsáveis saltam fora dos quadros e da disciplina para manifestarem a sua a sua inconformidade”.

E, em 1959 e 1962, teria nova “surpresa”, quando católicos, leigos e sacerdotes, estiveram envolvidos nas falhadas tentativas revolucionárias da Sé e de Beja, em que participaram militantes e dirigentes dos Movimentos Operários da Acção Católica, nomeadamente o presidente em exercício da JOC, João Gomes e o ex-dirigente  deste Movimento, Manuel Serra.

Em Abril de 1964, antigos dirigentes da Acção Católica, nomeadamente dos Movimentos Operários, participam na fundação da Cooperativa PRAGMA, e entre eles contam-se elementos ligados ao Movimento BASE. O Objectivo proposto era, entre outros, o de aumentar a consciência social e política. Em 1967, no dia em que teria lugar a terceira Sessão sobre Emigração, a PIDE ocupou as instalações, prendeu dirigentes e encerrou a Sede.

Torna-se, pois, notório que a contestação ao regime político por parte de numerosos dirigentes e militantes havia subido de patamar, porquanto a contestação estava a passar de pessoal e ocasional para um nível superior, ou seja, para a acção organizada, em pluralismo de opções e adesão à organização clandestina e semi-clandestina.

Em resultado da referida evolução, registam-se diversos avanços organizativos nas formas de contestação. Assim, em 1967, dirigentes dos Movimentos Operários (JOC/F e LOC/LOCF) em exercício, conjuntamente com antigos dirigentes, formam o Movimento clandestino BASE com o Objectivo político de reforçar com o seu contributo a luta pelo fim do regime salazarista, em cooperação com outras Organizações existentes, Intervenção que, dado ter elementos seus na Direcção do Centro de Cultura Operária, favorece o desenvolvimento de acções combinadas entre acção legal e subversiva no campo sindical, político e anti-colonial, a nível nacional e internacional.

Por essa altura, também dirigentes e ex-dirigentes dos Movimentos da Acção Católica Escolar e Universitária, iniciam contactos para a formação do Movimento de Esquerda Socialista que, após o 25 de Abril, se tornou partido político.

Ao nível Informativo e Formativo, até 1974, são criadas, por activistas católicos, várias publicações clandestinas de combate político que desenvolveram uma importante acção de consciencialização, entre as quais, o Boletim Anti-Colonial, Cadernos Anti-Coloniais, Direito à Informação, Cadernos GEDOC, “Voz do Trabalho (Orgão da LOC) e Cadernos de Cultura Operária (Centro de Cultura Operária).

Em 1970, já em período Marcelista, por inspiração de uma activista católica, a partir da leitura de uma carta do Apóstolo S. Paulo aos Romanos, é criada a CNSPP – Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos com a finalidade de apoiar todos os presos políticos e suas famílias, sobretudo os mais carenciados, tendo sido constituída, predominantemente, por advogados, médicos, sacerdotes, e escritores, sem dúvida, uma das Iniciativas mais importantes ocorridas antes da Revolução.

Pretendi, com este escrito, registar e divulgar que os católicos, com a sua Intervenção Política, também eles, contribuíram para o êxito da Revolução do 25 de Abril.

Honremos, pois, neste dia 25 de Abril, a Memória de todos quantos lutaram pela Justiça e pela Liberdade e, de modo especial, a de todos os militares que, decidida e corajosamente, correndo o risco da perda da própria vida, devolveram ao povo português a LIBERDADE.

No 50º. Aniversário do 25 de Abril de 1974, recordemos com Sofia de Melo Breyner que:

 “Esta foi a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substancia do tempo”

VIVA O 25 DE ABRIL!

26.04.2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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