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Contra a Guerra: A coragem de construir a paz

Carlos Cunha é jurista, dirigente intermédio da Administração Pública, e membro da Igreja Católica.

“Todas as guerras representam não apenas uma derrota da política, mas também uma vergonhosa rendição perante as forças do mal.”

Contra a Guerra: A coragem de construir a paz

O mais recente livro do Papa Francisco, editado no passado mês de Julho, Contra a Guerra: A coragem de construir a paz (Publicações Dom Quixote, 2022), é composto por um conjunto de textos provenientes de vários discursos, homilias, mensagens, nomeadamente para os Dias Mundiais da Paz, Angelus, proferidos em 2021 e já no presente ano, e outros documentos, entre os quais excertos de encíclicas, suas, como a Laudato Si’ e a Fratelli Tutti, e de seus antecessores, casos da Pacem in Terris, do Papa João XXIII, e da Octogesima Adveniens, do Papa Paulo VI. Infelizmente sempre actual, a preocupação do Papa expressa neste pequeno livro de menos de 190 páginas, incide sobre a necessidade constante de cultivar os pedregosos caminhos do diálogo, da paz e da fraternidade, combatendo activamente a “cultura da indiferença” perante a guerra e morte, que se manifesta no aumento dos orçamentos estaduais com o armamento e na “loucura criminosa das armas nucleares”.

Na introdução do livro, escrita pelo próprio, o Papa define a guerra como um sacrilégio: “Perante as imagens dilacerantes que vemos todos os dias, perante o clamor das crianças e das mulheres, não podemos senão gritar: «Parem!». A guerra não é solução, a guerra é uma loucura, a guerra é um monstro, a guerra é um cancro que se auto-alimenta consumindo tudo! Além do mais, a guerra é um sacrilégio, que destrói o que há de mais precioso à face da nossa Terra, a vida humana, a inocência dos mais pequenos, a beleza da criação. Sim, a guerra é um sacrilégio!” (10-11). E, lamentando a fraqueza da política, Francisco não hesita em apontar o dedo às potestades actuais: “se tivéssemos memória, não gastaríamos dezenas, centenas de biliões em rearmamento, para nos dotarmos de armas cada vez mais sofisticadas, para fazer crescer o mercado e o tráfico de armamento que acaba por matar crianças, mulheres, velhos: 1981 biliões de dólares por ano” (11-12).

O Papa Francisco aponta as causas do recurso à guerra como forma de exercer o poder: “Extraviámo-nos no caminho da paz. Esquecemos as lições das tragédias do século passado, o sacrifício de milhões de mortos nas guerras mundiais. […] Estamos doentes de avidez, encerrámo-nos em interesses nacionalistas, deixámo-nos ressequir pela indiferença e paralisar pelo egoísmo. Preferimos ignorar Deus, conviver com a nossa falsidade, alimentar a agressividade, suprimir vidas e acumular armas, esquecendo-nos de que somos guardiões do nosso próximo e da própria casa comum” (19).

O fabrico e comércio de armamento, em especial de armas atómicas, merece uma condenação contundente por parte do Papa, que fala em “atentado contínuo que brada aos céus” (67), e na “vergonha” e “loucura” que “enodoa a alma” que é a prioridade dada aos gastos públicos com armamento (traduzida no anunciado aumento as despesas militares por parte de diversos Estados europeus), o que significa delapidar a riqueza das nações e continuar a tirar bens a quem não tem o necessário, sendo preferível e lógico investir tais recursos “nas áreas do desenvolvimento humano integral, da educação, da saúde e da luta contra a pobreza extrema” (52). Estamos cada vez mais longe da proposta de Paulo VI da criação de um Fundo Mundial alimentado com parte das despesas militares para ajudar os mais deserdados (70).

Não esquecendo as guerras actuais, que proliferam em vários pontos do globo (33-37), confrontos que se multiplicam em muitas regiões do mundo e que semeiam a morte, a destruição e o rancor, o Papa diz que já vivemos numa “terceira guerra mundial em peças soltas” ou “aos bocados” (20 e 45).

Só a opção pelo diálogo, a negociação e os compromissos políticos, a par da proibição das armas atómicas e do desarmamento como escolha estratégica, podem permitir a construção permanente da paz, em nome da casa comum da humanidade e da vida na Terra, se pode alicerçar a almejada “fraternidade humana que abraça todos os homens, os une e os torna iguais” (145).

19/09/2022

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de apresentação de leituras sugeridas, vinculam apenas quem os assina.

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