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Luís Farinha, Investigador do IHC – NOVA-fcsh.

A paz era possível. A paz é possível!

Nos 50 Anos da Revolução de Abril, um grupo de democratas e antifascistas do Concelho de Mafra empenhou-se no estudo e divulgação – através de um livro e da evocação pública de um Memorial –, em dar a conhecer os nomes e os rostos daqueles que resistiram à ofensa dos mais elementares direitos humanos dos portugueses - continentais e a viver nas ex-colónias - por uma Ditadura fascista e colonialista que tinha cruzado quase meio século das suas vidas, num desastre histórico que castigou várias gerações de portugueses.

A paz era possível. A paz é possível!

Ao contrário do que pretende afirmar certa opinião pública orquestrada pelos grandes meios de comunicação, e mesmo abalizados estudos historiográficos apostados no branqueamento da História, os portugueses resistiram corajosamente às ofensas da opressão e da repressão dos mais elementares direitos humanos. E, mesmo quando «consentiram» - ou aparentemente aderiram ao regime -, foi sob o efeito do medo e da real incapacidade para derrubar um regime fortemente blindado pelas polícias políticas e pela força das armas.

Em Mafra, foram presos e seviciados cerca de duas centenas de homens e mulheres, alguns sujeitos a prisões longas e sem julgamento. Mas esta é apenas uma parte pequena dos que resistiram, das mais variadas formas, à violência política ou à infâmia da Guerra Colonial, levada a cabo sobre milhares de concidadãos nossos das ex-colónias (na altura assim era), embora cidadãos de segunda, sujeitos a um vil estatuto de indiginato.

Muitos desses cidadãos resistiam em nome da Justiça, da igualdade de tratamento e contra a violência policial e dos tribunais especiais. Outros tinham em mente sociedades mais justas, onde não fosse possível que homens explorassem outros homens, com recurso à violência. Havia entre os mais intransigentes ativos sindicalistas – mesmo quando a greve era um «crime» -, havia convictos comunistas, republicanos, socialistas, democratas de todas as tendências e sensibilidades. E havia também católicos, alguns vindos da «Ação Católica» e da «Juventude Operária Católica». Mesmo sacerdotes em pleno uso do seu múnus sacerdotal.

Lembremos aqui o Padre Joaquim Batalha, um dos fundadores do jornal mafrense «O Jovem» (1962-1980) onde o padre Ismael Gonçalves - pároco da Igreja Nova, para onde tinha sido ostracizado pelas suas estreitas ligações ao Padre Felicidade Alves e ao grupo dos designados «Católicos Progressistas» - lançou textos corajosos de denúncia da Guerra Colonial, de defesa dos Cristãos presos na Capela do Rato numa Vigília pela Paz (1972) ou de apelo ao recenseamento eleitoral para umas Eleições mais justas. Viria a ser preso pela PIDE/DGS, já em janeiro de 1974, sob a acusação de dirigir homilias «incendiárias» aos seus paroquianos e de produzir materiais clandestinos na sua Paróquia da Igreja Nova. Ele viria a ser o Presidente da Comissão Administrativa que garantiu a transição do poder local democrático nos meses que se seguiram à Revolução de 25 de Abril de 1974.

Lembremos ainda António Batalha (1930-2007), agricultor desde a juventude, oleiro por tradição familiar, operário da FOC e sindicalista, um jovem formado na Ação Católica e que nos deixou uma obra valiosíssima constituída por memórias operárias, por memórias de vida e por poesia. Autodidata e só escolarizado a partir dos 34 anos.

É dele o poema que se transcreve (do Livro Um Olhar sobre a FOC de 1930 a 1994. Aos que trabalharam, Edição de autor, 2000):

E O POVO TRABALHADOR? *

É deste povo em ação
Que brota toda a produção
O garante e resultado
Mas no meio de tudo isto
Como é que este é visto?
Como é considerado?
(…)
Nós não somos lixo não!
Somos povo onde a razão
Está sendo martirizada
Povo que sofre o açoite
Esperando a queda da noite
E o surgir da madrugada
(…)
Ninguém sabe responder
Pois todos estão a viver
A sede de uma mudança
Todos revelam cansaço
Mas caminha-se passo a passo
Sobre a linha da esperança.

Uma Nota final para reconhecimento às duas entidades que tomaram a iniciativa, apoiaram e levaram a cabo a «Homenagem aos Presos e Perseguidos Políticos do Concelho de Mafra», através da inauguração de um Memorial e da produção de um livro- referimo-nos à URAP (União dos Resistentes Antifascistas Portugueses) e à Câmara Municipal de Mafra. O Memorial foi inaugurado ao mesmo tempo que o livro foi dado a público, na noite de 24 de abril de 2014, no âmbito das Comemorações dos 50 Anos da Revolução de do 25 de Abril em Mafra.

3/12/2024

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