Gustavo Gutiérrez, OP (1928-2024): Desafiar a consciência face à injustiça
28 de outubro de 2024
Gustavo Gutiérrez-Merino Díaz, OP, faleceu a 22 de Outubro em Lima, Perú, cidade onde nasceu. Este frade dominicano, foi militante da Acção Católica, e uma das figuras fundadores da Teologia da Libertação.

Criou o Instituto Bartolomeu de Las Casas em Rimac, um bairro popular de Lima. Via no frade dominicano espanhol Bartolomeu de Las Casas, defensor dos indígenas e dos africanos, um exemplo a seguir. Estudou filosofia e psicologia na Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, e teologia na Universidade Católica de Lyon, França, onde se doutorou, e na Universidade Gregoriana de Roma e no Instituto Católico de Paris. Em 1960, começou a ensinar na Pontifícia Universidade Católica do Perú. Os seus cursos promoviam um diálogo entre a fé cristã e o pensamento contemporâneo. Foi consultor teológico na Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (CELAM), realizada em 1968 em Medellín, Colômbia, e que deixou influentes documentos sobre a justiça, a paz, e a pobreza, a partir de uma perspectiva libertadora.
As suas obras mais destacadas, “Teologia da Libertação” (“Teología de la liberación”, 1971), “Beber no Próprio Poço” (“Beber en su propio pozo”, 1983), “Falar de Deus a Partir do Sofrimento do Inocente: Uma Reflexão Sobre o Livro de Job” (“Hablar de Dios desde el sufrimiento del inocente. Una reflexión sobre el libro de Job”, 1986), “O Deus da Vida” (“El Dios de la vida”, 1989), “Em Busca dos Pobres de Jesus Cristo: O Pensamento de Bartolomeu de Las Casas” (“En busca de los pobres de Jesucristo. El pensamiento de Bartolomé de Las Casas”, 1992), abrem novos horizontes na reflexão teológica. Trata-se de uma teologia assumida a partir da “periferia” para viver e pensar a fé em Jesus Cristo a partir dos pobres, dos “insignificantes”, das “não pessoas.” Salta à vista a sintonia entre o seu contributo e o pontificado do Papa Francisco.
Seja como for, a teologia da libertação que Gutiérrez desenvolveu encontrou resistências institucionais. Em 1982, foi notificado pela Congregação para a Doutrina da Fé para responder a dez objeções sobre os seus escritos teológicos. Hoje, a situação é bem diferente, como demonstra a publicação de “Ao Lado dos Pobres: A Teologia da Libertação é uma Teologia da Igreja” (Prior Velho: Paulinas, 2014) de Gutiérrez em diálogo com o cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller.
Nos seus 90 anos, em 2018, o Papa Francisco escreveu uma mensagem na qual agradecia a Gutiérrez pelas suas contribuições “à Igreja e à humanidade por meio do seu serviço teológico e seu amor preferencial pelos pobres e descartados da sociedade.” “Obrigado pelos seus esforços e pela sua maneira de desafiar a consciência de todos para que ninguém fique indiferente à tragédia da pobreza e da exclusão,” escreveu o Papa.
A Teologia da Libertação considera que a história da salvação coincide com a história da humanidade, visando um entendimento integral da condição humana historicamente situada, que inclua as dimensões social, económica, assim como a religiosa — não há uma história profana e uma história sagrada. Daí ter escrito no livro Teologia da Libertação: “O futuro da história pertence aos pobres e explorados. A verdadeira libertação será obra dos próprios explorados; neles, Deus salva a história.” A acção transformadora é central nesta teologia: “A práxis sobre a qual reflete a teologia da libertação é uma práxis de solidariedade no interesse da libertação e inspira-se no Evangelho.”
O legado de Gutiérrez persistirá. As suas palavras continuarão a interpelar enquanto o nosso mundo estiver distante do Reino anunciado por Jesus. Subjaz a todo o seu discurso a ideia articulada em Teologia da Libertação de que “a denúncia da injustiça implica a rejeição do uso do cristianismo para legitimar a ordem estabelecida.” Em “O Poder dos Pobres na História” (“La fuerza histórica de los pobres”, 1982), a sua interpelação ganha uma forma poderosa, com vista à transformação de um mundo estruturalmente injusto:
“Mas o pobre não existe como um facto incontornável do destino. A sua existência não é politicamente neutra e não é eticamente inocente. Os pobres são um subproduto do sistema em que vivemos e pelo qual somos responsáveis. São marginalizados pelo nosso mundo social e cultural. São o proletariado oprimido e explorado, privado do fruto do seu trabalho e despojado da sua humanidade. Por conseguinte, a pobreza dos pobres não é um apelo a uma acção de ajuda generosa, mas uma exigência para que construamos uma ordem social diferente.”