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Agosto 1985: Um mês de cooperação na Guiné-Bissau

Tive um convite do PNUD/Nações Unidas para fazer parte de um Grupo de Trabalho para fazer o levantamento do Sistema de Saúde da Guiné-Bissau, o seu inventário e o levantamento das carências básicas e a sua quantificação orçamental.

Agosto 1985: Um mês de cooperação na Guiné-Bissau

Dírio Ramos é engenheiro electrotécnico e hospitalar, membro da Associação Mil por Abril (Milicianos do 25 de Abril), e católico.

Vivia-se um período conturbado do ponto de vista político-militar e foram mortos dois generais e diversos oficiais superiores, o que me levou a refugiar na Embaixada de Portugal.

Pouco sabia que naquela altura só viviam 200 brancos numa terra de 1,5 milhões de habitantes, que só menos de 10% eram católicos, 55% muçulmanos e 35% de religiões locais.

Curiosamente, a língua oficial das reuniões era o francês, e todos os técnicos falavam português, o que me obrigou a um reparo sobre essa situação.

Destaco a visita ao Hospital 3 de Agosto (ex-hospital militar) que foi de facto o maior e mais importante património hospitalar da África Ocidental, e o Hospital Simão Mendes, o mais antigo hospital público do País, onde faltava tudo, mas existia um edifício novo com diversas salas de operações, salas de cuidados intermédios e intensivos totalmente equipado mas ninguém sabia mexer com os equipamentos. Foi uma oferta da Holanda. Igualmente vi diversos Volvo topo de gama oferecidos pela Suécia mas que não andavam porque não tinham pneus.

No Hospital Simão Mendes, a cozinha péssima era a lenha, as camas das grávidas eram ocupadas por duas mulheres, o Laboratório de Análises Clínicas era uma miséria, o Serviço de Oftalmologia só funcionava com a ajuda de uma equipa do Hospital Egas Moniz que se deslocava a Bissau para tratar das cirurgias às cataratas.

Visitei a Unidade de Saúde de Cumura, nos arredores de Bissau, dirigida por um padre católico que fazia tudo além de médico, fazia manutenção eléctrica, de águas, etc…

Nas diversas conversas que tive, fora da missão oficial, retive uma declaração de uma religiosa portuguesa que afirma: “Nesta terra onde sobrevive um povo que os Deuses parecem ter esquecido, que desencoraja os viajantes, pois são tantas as carências e aflições que fazem denotar a decadência em que estas gentes se vão afogando.”

Para se obter alguma informação era necessária uma nota de dólar para oferecer. Por ali estavam cooperantes suecos, jugoslavos, brasileiros e também alguns portugueses.

Fiz o meu relatório, anexei ao dos outros cooperantes, mas fiquei com a ideia de que os organismos internacionais não têm sensibilidade para resolver as mais elementares carências da população.

Nota final: Passado um mês do meu trabalho tive conhecimento que o Ministro do Plano e da Economia, formado em Portugal, católico activo, se despistou sozinho nos arredores de Bafatá e morreu. Nunca consegui saber as razões do desaparecimento de um técnico e político altamente diferenciado mas que nunca tinha sido combatente. Tinha 40 anos.

17/10/2023

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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