O valor da fraternidade universal
Se existe valor proclamado de forma universal é o da fraternidade entre todos os seres humanos. Em todas as fases da História da Humanidade encontramos registos sobre o desejo de convivência, em sociedade, do relacionamento marcado com o selo da amizade e da solidariedade.
Joaquim Mesquita é operário fabril do sector alimentação, dirigente da CGTP-IN, e militante da Base-FUT e da LOC-MTC.
Não faltam registos. Talvez o mais conhecido seja a proclamação do principal ideal da Revolução Francesa de 1789: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.
Na história portuguesa encontramos, entre os nossos soberanos, a preocupação de justiça social na afirmação do rei Afonso IV de que “É preciso igualdar os grandes com os pequenos.”
A história do cristianismo, por seu lado, regista o princípio e o valor do relacionamento entre os homens como irmãos, como família universal alicerçada no amor: “Amai-vos como eu vos amei.” É este o único mandamento cristão, que caracteriza a sua essência: não é uma religião (todas as reflexões religiosas já tinham sido abordadas e tratadas no Antigo Testamento), não é uma filosofia, não é uma ideologia — é um modo de vida baseado na vida fraterna.
Alguns pensadores conseguiram apreender, também, esta essência. Por exemplo, Søren Kierkegaard, ao iniciar um dos seus tratados, preocupou-se em esclarecer: “Estas são reflexões cristãs; portanto, não falarão de amor, mas das obras do amor.”
O Antigo Testamento e o Novo Testamento, assim designados pelas igrejas cristãs, constituem o conjunto de escritos a que chamamos “Bíblia”, e sobre ela ainda há governantes que prestam juramento quando tomam posse dos seus cargos políticos.
A realidade violenta que marca parte considerável do mundo, no passado e no presente, leva a questionar que divindade poderá estar subjacente a esse juramento; e que malabarismos da mente conseguem transformar mensagens de paz e harmonia em caos e destruição. Porque, convém esclarecer, na leitura dos textos bíblicos, há que ter presente a necessidade de distinguir o que é condicionamento cultural e o que resulta das aquisições teológicas, que orientam a vida teologal comunitária caracterizada, necessariamente, pelas obras do amor, de que falava Kierkegaard.
Continuando, por agora, neste cenário bíblico, importa afirmar que existe uma tensão permanente entre duas tendências, uma de convivência pacífica e fraterna e outra de domínio e de exploração. De facto, e na generalidade, o desenvolvimento das estruturas sociais tem-se caracterizado no sentido de garantir a subjugação do povo, a maioria, por uma minoria aristocrática.
Assim aconteceu na transição da pastorícia para a agricultura. Foram enormes as clivagens sociais e os conflitos: “O Senhor disse a Caim: ‘Onde está teu irmão Abel?’ Caim respondeu: ‘Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?’” (Gn 4,9).
Assim acontece no nosso tempo. A transição do chamado capitalismo regulado para o capitalismo financeiro agravou as condições de exploração sobre o povo, numa dimensão global. E continua a agravar com o desenvolvimento da “inteligência artificial”. As crises deste sistema económico têm vindo a ser resolvidas à custa de sofrimento de quem trabalha, por vezes apenas para sobreviver.
De variadas formas, esta realidade tem vindo a ser denunciada por mulheres e homens corajosos, propondo uma nova ordem económica e social. Ainda há profetas no nosso tempo.
28/06/2023
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