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Imigração: Um caminho de esperança e resiliência

Na minha casa, a imigração sempre foi um tema presente. Era algo que se vivia, que se contava à mesa, que se sentia no coração.

Imigração: Um caminho de esperança e resiliência

Elisa Mendonça, é assistente operacional, dirigente sindical do STFPSSRA, membro da Direção Nacional da Comissão da Igualdade dentre Mulheres e Homens - CGTP e membro do Conselho Regional da USAM - União dos Sindicatos da Madeira.

Os meus pais foram imigrantes na década de 1980, na Venezuela. Eu nasci lá, mas com apenas dois anos regressei com eles à Madeira, a nossa terra natal. Tinham partido com o coração cheio de esperança deixando uma vida de duras realidades.

O meu pai, por exemplo, teve o seu primeiro par de sapatos aos 16 anos. Partiram em busca de uma vida melhor, como tantos outros, mas encontraram pelo caminho esquemas duvidosos e desilusões. A Venezuela — aquela terra fértil e rica, onde se dizia que bastava uma mesa numa esquina para vender empanadas sem fim — não cumpriu essa promessa para todos.

A verdade, muitas vezes calada, é que alguns dos que lá chegaram primeiro estabeleceram negócios e depois chamavam conterrâneos que, na prática, serviam de mão de obra barata para os seus empreendimentos. Esta também foi uma realidade da imigração: a exploração entre iguais.

A minha própria experiência de imigração começou cedo. Tinha 16 anos e tinha acabado o 10.º ano quando passei um verão a trabalhar numa lavandaria industrial na ilha de Guernsey. Aqueles três meses foram uma oportunidade valiosa: permitiram-me juntar dinheiro para continuar os estudos no ano seguinte — era estudante deslocada — e proporcionaram-me uma experiência de trabalho real, com remuneração justa. Algo que, naquela altura, não era possível encontrar na Madeira para alguém tão jovem.

Fui sozinha, apanhei o avião e fiz escala em Gatwick. Lembro-me da sensação esmagadora ao entrar naquele aeroporto gigantesco — o maior edifício onde já tinha estado. Vi todas as cores, raças e trajes. Ali, naquele momento, percebi verdadeiramente quão vasto era o mundo. Foi uma revelação.

Na lavandaria trabalhavam 15 portugueses sob a gestão de meia dúzia de ingleses. Ouvi de tudo: histórias de quem cozinhava dentro da casa de banho, de quem fazia esparguete numa chaleira, de quem entrou no mundo das drogas. Eram estratégias de sobrevivência, fruto da urgência de garantir sustento numa terra estrangeira.

Mas, acima de tudo, o que movia essas pessoas era algo maior: o desejo de que o sacrifício valesse a pena. Trabalhar arduamente para garantir o sustento dos filhos que tinham ficado para trás e, talvez, realizar o sonho de uma casa própria. O conforto material era uma meta, mas o verdadeiro combustível era o amor pela família e a esperança num futuro melhor.

Mais tarde, os meus pais emigraram novamente — desta vez para a Suíça. Eu e o meu irmão ficámos na Madeira, aos cuidados dos nossos avós. Recordo vivamente o quanto desejava ir com eles. Não só pela ligação afetiva, mas também pela curiosidade de imaginar que vida teria tido se tivesse crescido naquele país.

Hoje, ao ver tantas famílias imigrantes a chegar a Portugal em busca de um recomeço, sinto uma enorme alegria. Nos meus tempos, não era comum que as famílias emigrassem juntas. Muitos colegas meus, tal como eu, ficaram aos cuidados de outros familiares para que os pais pudessem partir. As condições eram outras. A mentalidade era diferente: emigrava-se para trabalhar de sol a sol, juntar algum dinheiro e, um dia, regressar.

Agora, vemos uma mudança. As famílias chegam com a intenção de ficar, de criar raízes, de reconstruir as suas vidas aqui. E é por isso que o nosso papel enquanto comunidade é tão importante. Que sejamos capazes de acolher com dignidade estas famílias que, como as nossas um dia, vêm cheias de esperança.

A família é a base de qualquer sociedade. Deve ser protegida, valorizada e, acima de tudo, mantida unida. Que o nosso país continue a ser terra de portas abertas e de corações disponíveis. Porque acolher é um ato de amor. E amar o próximo é, também, um gesto de fé.

10/07/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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