Os novos inquisidores
Tenho dificuldades em imaginar a motivação de quem nunca se manifestou na vida por algo palpável e concreto no quotidiano diário, e com profundo impacto, por coisas tão prementes como Salários, Pensões, Saúde, Habitação, Educação ou Paz, e ter toda a disponibilidade para abdicar de uma tarde de feriado, de forma a engrossar as fileiras do preconceito e do ódio contra a liberdade religiosa de terceiros.

João Caniço, é Engenheiro Civil, dirigente associativo, atleta e activista autárquico.
Parece estranho, soa a estranho e é realmente estranho. São tempos difíceis estes que vivemos, onde a panela de pressão do preconceito e do ódio foi destapada por quem procura por todos os meios subverter a normalidade e legitimidade de um estado de direito democrático, consubstanciado na Constituição da República Portuguesa que, entre uma série de direitos, liberdades e garantias, prevê no seu artigo 41.º a liberdade de consciência, de religião e de culto.
São fortes os apelos ao ressabiamento e à frustração contra todos os que pareçam mais fracos, mais frágeis, diferentes ou pertencentes a toda e qualquer minoria, excepto, naturalmente, a elite do sistema capitalista vigente, que financia e se diverte ao ver os seus planos de implosão da democracia a correr conforme o desejado. Afinal, quanto menor a democracia, maior a desigualdade social e o esmagamento da classe trabalhadora.
Mas desenganem-se aqueles que pensam ser isto apenas um problema subjacente da crescente radicalização da extrema-direita e dos seus epítetos ultraconservadores, retrógrados e nacionalistas. O que assistimos nas últimas semanas em Samora Correia e Benavente foi a um oportunismo político atroz do centrão dito moderado, que não hesitou em cavalgar a onda inquisitória e populista. Vale tudo para tentar recuperar o poder municipal que lhes foge continuamente desde 1979.
O concelho de Benavente, pela sua localização geográfica, nível de desenvolvimento e proximidade à área metropolitana de Lisboa e ao futuro aeroporto é hoje um palco bastante apetecível para a ocorrência das mais ferozes e apetecíveis negociatas. Os novos inquisidores, que saíram às ruas de Samora no passado dia 10 de junho, são, no fim do dia, os idiotas úteis do sistema neoliberal vigente. Cristãos de pacotilha que, caso vivessem há alguns séculos atrás, não hesitariam em atirar mulheres, judeus e muçulmanos para a fogueira, caso assim lhe ordenassem.
Não pode ter sido em vão que o saudoso Papa Francisco afirmou que: “Rejeitar um migrante em dificuldade, qualquer que seja a sua crença religiosa, por medo de diluir a cultura ‘cristã’ é distorcer o que é o cristianismo e a cultura. A migração não é uma ameaça ao cristianismo, excepto nas mentes daqueles que beneficiam com isso quando dizem o seu contrário. (…) Uma fantasia do nacional-populismo, em países cristãos, é defender a ‘civilização cristã’ de supostos inimigos, sejam muçulmanos ou judeus (…).” Honremos e defendamos o seu legado humanista e progressista. Palavra de ateu.
16/06/2025
A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.