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O que podemos esperar do pacote laboral

Nestes dias que se têm passado, a classe trabalhadora viu-se em mãos com uma das maiores afrontas dos últimos tempos. Essa afronta tem sido apresentada como o novo pacote laboral.

O que podemos esperar do pacote laboral

Pedro Esteves é Presidente da Juventude Operária Católica.

Este pacote promete mundos e fundos no que toca às melhorias de condições de trabalho, da conciliação trabalho-vida pessoal, entre outras coisas. Porém, pelas medidas que o mesmo apresenta, surpresa das surpresas, nenhuma dessas promessas vai ser cumprida. Antes pelo contrário, estas medidas são medidas que vêm cada vez mais precarizar e dividir a classe trabalhadora. Não tivesse vindo também o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) elogiar as medidas. Ou seja, estas medidas não servem aos trabalhadores, mas sim ao patronato.

O primeiro-ministro veio dizer que é uma “legislação laboral mais amiga do trabalho” e nisso ele está certo, é amiga do trabalho, do trabalho neo-escravo e alienante que grande parte da população tem de realizar. Porém, esta nova legislação, é muito pouco amiga do trabalhador. Olhemos então de forma um pouco mais específica para algumas das propostas de alteração.

Podemos começar pelo fim da recusa de trabalhar aos feriados e fins-de-semana para trabalhadores com filhos menores de 12 anos ou com filhos com deficiência ou doença crónica. Logo aqui perdeu-se uma salvaguarda que os trabalhadores, que têm de o infortúnio de trabalhar em horários flexíveis, tinham para se proteger e proteger a sua vida familiar. Um claro ataque às famílias trabalhadoras. Para um governo composto por partidos que se afirmam defensores das famílias, parece-me que existe aqui um grande equívoco ao apresentar esta proposta. Ou na existência da proposta, ou na autoproclamação de serem os defensores das famílias.

Temos também o aumento da duração dos contratos a termo e dos contratos a prazo. Para além do alargamento do período máximo dos contratos a termo incerto. Estas medidas vêm aumentar ainda mais a situação precária em que se encontra o trabalhador. Estamos a aumentar cada vez mais o tempo em que temos os trabalhadores numa situação de incerteza enorme, numa situação em que não sabem se vão ter trabalho no mês seguinte, ou seja, o seu salário e, consequentemente, um teto e comida na mesa. Ao invés de criarmos condições para que os trabalhadores se fixem, que estejam satisfeitos e completos no seu trabalho, promovemos cada vez mais a sua precarização. O governo teceu comentários sobre os trabalhadores não quererem trabalhos para a vida, mas porque será que os trabalhadores (e principalmente os jovens trabalhadores) cada vez se fixam menos e andam a saltitar de emprego em emprego? Será apenas por vontade própria e porque o trabalhador adora saborear o mesmo gelado de exploração onde de sítio para sítio apenas muda o topping da exploração, ou será porque o trabalhador é confrontado regularmente com contratos de mês, mal pagos, que não dão estabilidade, onde começar num novo emprego é praticamente a mesma coisa que ficar no que se está (em termos de progressão de carreira, contratual, salarial, etc…), e anda basicamente desesperado à procura de um emprego que finalmente o permita estabilizar a sua vida e criar raízes, ligações e uma comunidade no seu emprego. Esta alteração à lei laboral mostra como os sucessivos governos capitalistas e neo-liberais (assim como os partidos da mesma ala política) vêm o trabalho. Não o vêm como uma forma de criação de comunidade, como uma forma de contribuição para a sociedade, como uma forma do trabalhador se sentir parte integrante dessa mesma comunidade e da sociedade para a qual ele contribui. Vêm apenas o trabalho como uma forma de maximização dos seus lucros (e dos lucros daqueles que eles representam e que os financiam). E vêm os trabalhadores apenas como ferramentas para atingir esse fim, como muitas ferramentas, podem ser descartáveis e substituíveis por outras ferramentas prontinhas a começar a trabalhar e desesperadas por um salário que, pelo menos, lhes permita ficar só com o nariz fora de água para respirar, tendo assim o empregador na sua mão um verdadeiro exército de reserva. Com isto tudo, o trabalhador fica cada vez mais desprotegido, pois que alavanca negocial tem ele se o empregador sabe que basta esperar mais um mês e tem um soldado de reserva para trocar pelo que não quer lá estar? Pois muito pouca. E nem um contrato efetivo poderá vir a garantir algum tipo de segurança, e assim faço a ponte para o ponto seguinte.

Reforçar a facilidade do despedimento é outra proposta do governo, pois para este governo a força que o patronato já tem sobre a classe trabalhadora não é suficiente. Já não basta o poder económico que permite ao patronato arrastar processos de possíveis despedimentos ilícitos, até que o trabalhador não tenha mais condições de suportar esses processos e tenha que se retirar, perdendo assim a possibilidade de reaver o seu emprego (para além de ficar de certa forma com o “cadastro social” manchado por ter sido despedido, dificultando a reintegração no mercado de trabalho), mas agora, com estas propostas do governo, mesmo que o trabalhador consiga comprovar o seu ilícito despedimento, o empregador não precisa reintegrar o trabalhador, pois pode dizer ao tribunal que a reintegração do trabalhador vai causar prejuízo e perturbação ao funcionamento da empresa. Ou seja, mesmo que o trabalhador comprove a ilicitude do despedimento, de nada lhe serve, pois não regressa ao seu trabalho. Porém, também não vai haver necessidade de avançar com processos, pois para as PME’s, vai ser possível despedir por justa causa, mesmo sem a apresentação de provas nem audição de testemunhas. Como se não bastasse, estas propostas permitem regressar ao outsourcing de trabalho, para suprimir a falta do trabalhador despedido, logo após o despedimento. Para além de tornar mais descartável e precário o trabalhador da empresa, cria espaço para a criação de um mercado de empresas de outsourcing, que funcionam com base na existência de trabalhos descartáveis, onde podem andar com os seus trabalhadores de empresa em empresa, a saltar de trabalho em trabalho e onde a empresa que contrata o outsourcing pode contratar os serviços de um trabalhador sem nunca ter a responsabilidade sobre o trabalhador em questão.

Perante todas estas afrontas, uma das formas mais poderosa de luta é a greve, mas mesmo este direito tão basilar é atacado nestas propostas. Com a extensão dos serviços mínimos (e mesmo a existência dos mesmos) ataca-se a força da greve, pois se a greve não faz mossa, não há necessidade de responder às exigências da mesma. Algo que tem vindo a acontecer (e viu-se claramente acontecer durante as greves dos trabalhadores da CP em maio deste ano quando Luís Montenegro critica a greve e diz que é necessário alterar a lei da mesma e que a greve importuna os passageiros) é a passagem da culpa para os grevistas e uma tentativa de tornar imoral o ato da greve, porque incomoda as pessoas. Desta forma, viram os trabalhadores afetados pela greve contra os grevistas e não contra aqueles que promovem condições que levam à greve. Assim, reduz-se também o espírito de solidariedade de classe dos outros trabalhadores (isolando os grevistas), ao invés de se aliarem aos grevistas para os mesmos poderem melhorar as suas condições e os outros trabalhadores poderem regressar à sua normalidade ou até para fazerem também uma greve no seu sector, acrescentando assim força à greve por se espalhar a vários sectores, aumentado o impacto da mesma, por parar de forma mais musculada a economia. Esta tentativa de tornar a greve algo imoral tem-se verificado com mais impacto nos empregos de serviços (saúde, transportes, segurança, etc), pois tem sido construída a perceção social de que estes trabalhadores não têm um emprego, mas sim uma missão. Ou seja, os médicos e enfermeiros não trabalham, salvam vidas, os polícias não trabalham, protegem as ruas e este tipo de coisas. Ou seja, estes trabalhadores têm de se sujeitar a parcas condições laborais, salários baixos e horas extras (muitas vezes sem receber) porque não têm um emprego, mas uma missão, e ai deles que ousem tentar melhorar as suas vidas. Daí achar que a verdadeira imoralidade está nos serviços mínimos pois tira qualquer capacidade de luta às classes trabalhadoras. Para levar ao extremo, gosto de dar o exemplo dos médicos e enfermeiros. No caso de não haver serviços mínimos, já pensaram que perigo que seria, para quem emprega, a possibilidade de uma greve com adesão de 100%? Aí sim, os trabalhadores teriam força negocial, pois o empregador não se podia dar ao luxo de deixar morrer doentes, só porque não quis gastar ao aumentar um pouco os salários. E não criemos espantalhos com a possibilidade de esses trabalhadores ficarem com demasiado poder negocial, pois os sindicatos que os representam não estão a pedir coisas inimagináveis, apenas pedem melhores salários, melhores horários e melhores condições. E estando essas necessidades e condições supridas, não há necessidade de continuar a lutar por uma luta vencida (talvez lutar para que não se percam as conquistas, mas isso já é outra fase). E o que digo dos médicos e enfermeiros, digo para todas as classes de trabalhadores, pois nunca é demais o poder dado à classe trabalhadora. O poder para a classe trabalhadora só é suficiente quando todo lhe pertencer. Mas esta proposta de alteração vem retirar o pouco poder que a classe trabalhadora ainda tem e dividir ainda mais a mesma.

Amigos, em jeito de conclusão, estas propostas são péssimas. Tratam o trabalhador como uma coisa descartável, como uma máquina de gerar capital para uma classe que vive desse capital que é produzido socialmente (apesar de ele já ser visto assim, vem piorar). E mais que isso, amplifica uma campanha de divisão de uma classe inteira, onde se vai diluindo o espírito de solidariedade de classe e a consciência de classe. A hegemonia da comunicação social burguesa, dominada por grandes grupos económicos (a quem interessa esta perda de consciência de classe por parte da classe trabalhadora), por muito que possa ter indivíduos que critiquem o sistema capitalista vigente, mais facilmente antecipam o fim do mundo do que o fim do capitalismo e a transição para outro sistema, e com essa força comunicacional, a classe burguesa vai propagando mitos, como o de que todos podemos vir a ser milionários ou bilionários, desde que nos esforcemos muito, ou de que se temos problemas financeiros, provavelmente é culpa nossa, porque fomos preguiçosos ou algo assim, que temos de ser muito produtivos e que caso não queiramos, é uma falha de carácter só querer viver uma vida descansada. Com estes mitos e outros tantos, vamos perdendo a consciência da nossa classe, enfiarmo-nos todos para a classe média, com medo de, por sermos classe trabalhadora, não sermos alguém, queremos todos ser snobs, ser os burgueses e os opressores que nos oprimem, sem darmos conta de que a possibilidade de chegar a esse status é apenas uma ilusão, pois a verdadeira forma de lá chegar é já lá estar. Mas como nos fazem ansiar pela possibilidade de lá chegar, tornamo-nos capatazes dos opressores, como uns capitães do mato da própria classe, e com isso a classe burguesa, para além dela mesma ser carrasca da classe trabalhadora, acaba por criar outro carrasco, a própria classe trabalhadora. Nestas condições, os trabalhadores acabam por se tentar empurrar os seus semelhantes para baixo, porque permitir que os que estão mais abaixo subam, significa que o eu genérico fica cada vez mais perto desses que estão mais abaixo, até ao ponto em que eu passo a fazer parte desse grupo que está mais abaixo, e eu não posso dormir à noite sabendo que sou (ou pelo menos pareço) aquilo que os outros consideram mais raso. E este tipo de pensamento é muito mais fácil de assimilar (e de capitalizar por parte de quem beneficia dele) do que pensar em quem nos está a explorar e tentar mudar este sistema, porque para mudar este sistema é preciso comprometermo-nos realmente a mudar. Tendo em conta esta situação, a classe trabalhadora tem que se unir, lutar pela melhoria da sua classe, da sua vida e ultrapassar todas as forças que nos tentam separar, porque não nos podemos esquecer que não importa se somos engenheiros, médicos, cantoneiros, professores, operário, o que seja, somos todos trabalhadores. Por isso, como trabalhadores, nada mais temos a perder a não ser as correntes que nos prendem. Por isso, arrebentemos com essas correntes.

27/10/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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