Os Sapatos do Papa Francisco
Há partidas que não fazem ruído, mas partem o coração do mundo.
O Papa Francisco não pediu coroas, nem vestes de rei. Pediu apenas os seus sapatos velhos, gastos de tanto caminhar.

Texto de Alberto de Carvalho
Pediu aquilo que melhor contava a sua história: não palavras, não medalhas, mas a terra agarrada às solas, o pó de quem nunca teve medo da poeira humana.
Foram estes sapatos que tocaram o chão das favelas, onde a miséria é a língua da vida.
Foram eles que pisaram a lama de Lampedusa, onde naufragam esperanças.
Foram eles que se molharam na chuva fria da praça deserta, onde Francisco rezava sozinho, quando o mundo inteiro se recolheu de medo.
Cada risco no couro, cada dobra, cada buraco, fala de abraços dados sem pressa, de lágrimas escutadas em silêncio, de mãos sujas apertadas sem nojo, apenas com ternura.
Nestes sapatos vive a história de um pastor que nunca quis ser príncipe.
Um homem que trocou o ouro das coroas pela poeira da estrada.
Um homem que não construiu palácios, mas pontes.
E agora, no silêncio da sua última morada, Francisco deixa-nos o maior dos testemunhos: viver é gastar-se.
Gastar-se até doer.
Gastar-se até os sapatos não aguentarem mais.
Amar até o próprio corpo dizer basta.
Ele não deixou um trono vazio.
Deixou pegadas.
E àqueles que agora, reunidos sob as abóbadas silenciosas de São Pedro, terão a missão de escolher o próximo sucessor, fica o apelo mudo destes sapatos: não procurem grandeza; procurem bondade.
Não escolham poder; escolham serviço.
Que os passos do novo pastor saibam, também eles, caminhar na poeira do mundo.
1/05/2025
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