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Os grandes não morrem

É verdade que já há algum tempo que vínhamos assistindo a uma cada vez maior fragilidade do Papa Francisco, no que à saúde do corpo diz respeito. Mesmo assim, o anúncio do seu falecimento na passada segunda-feira, na manhã seguinte à celebração das festas da Páscoa, confirmou que esta foi mesmo a última Páscoa de Francisco enquanto peregrino neste mundo.

Os grandes não morrem

Nuno Pacheco é Sacerdote da Congregação Coração de Jesus.

Recordo-me bem da sua apresentação ao mundo como sucessor do Apóstolo Pedro, da varanda central da Basílica de São Pedro, em Roma. Ali apresentou-se como um pastor que queria fazer um caminho com o povo: bispo e povo, surpreendendo ao pedir que todos rezassem por ele e o abençoassem. Poucos minutos antes foi apresentado o nome escolhido: Francisco. Tal escolha já anunciava que algo de novo iria acontecer. E aconteceu, de facto.

Herdar o governo de uma Instituição que existe há 2.000 anos traz consigo um peso que nenhum de nós consegue imaginar. Com tudo o que existe de bom, na experiência que tal idade comporta, podemos imaginar também os esquemas e vícios que foram sendo arrastados e desenvolvidos ao longo dos séculos. Mexer em tais esquemas do passado custou-lhe não raras noites de sofrimento e bastantes críticas. Quando se encontrava com alguém, respondia: “rezai por mim!” e acrescentava de imediato: “mas a favor!”. E ria-se. Por aqui percebemos facilmente que Francisco tinha consciência das críticas e movimentos contrários que tentavam a todo o custo bloquear e impedir a mudança que tanto sonhou para a Igreja.

A mudança sonhada pelo Romano Pontífice não era propriamente uma originalidade sua. Tratava-se de viver o Evangelho na sua forma mais pura e simples, a mesma de Jesus e a mesma que Ele nos deixou como herança. O que foi original, isso sim, foi o modo sincero de se apresentar e de “mexer” com a sua figura e imagem. E todos lhe reconhecem sinceridade nos gestos, e por isso tão ouvido e admirado. Recordo-me, no início do seu Pontificado, um jornalista dizer: “antes, quando aparecia um Papa na televisão, mudava de canal. Agora, aumento o som para o escutar”.

Como sacerdote, acredito que o maior desafio do ministério sacerdotal seja o de lidar com as pessoas. Muitas sensibilidades, espectativas, sonhos, maneiras de ser, de pensar e de estar diferentes. Uma tentação enorme, para nos defender, é criar um sistema de “caixinhas” e “catalogação” e seguir aquilo à risca, para não corrermos o risco de falhar com nada nem com ninguém. O Papa Francisco ensinou-nos algo diferente: é preferível ter uma Igreja que suja as mãos com os pobres, os simples, os feridos, os marginalizados, aqueles que não tem como retribuir o bem feito, do que falhar com todos eles, pois tal seria falhar com o próprio Cristo presente em cada um deles.

O Papa Francisco vai deixar imensas saudades. Mas se há certeza que nos traz a fé na humanidade da Igreja é que ela pertence a Cristo que prometeu estar presente até ao fim dos tempos. Embora sejamos as pedras que a constroem, não nos pertence, mas é guiada pelos séculos pelo Espírito Santo que sabe escolher os homens certos nos momentos certos. E estou seguro que o caminho iniciado e as portas que Francisco abriu não poderão ser ignoradas nem fechadas.

Os grandes não morrem, partem antes de nós.

25/04/2025

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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