Começou a Páscoa de Francisco
A mensagem cristã nasce do mistério pascal, isto é, da paixão, da morte e da ressurreição de Cristo. Aí reside o essencial da fé cristã.

Duarte Nuno Morgado é formado em Teologia, membro de diversas associações de cariz cultural e social e atualmente Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loures.
Este é o anúncio da passagem da morte à vida, o tempo pascal. O Papa Francisco vive agora o seu próprio mistério pascal, associado a tantos que pelo mundo continuam a sofrer e a morrer vítimas da guerra, da violência, do ódio, do abandono, do racismo, da indiferença. Podemos olhar para Francisco como um Papa com uma visão 360º sobre o mundo e sobre o papel da Igreja neste tempo. As múltiplas reformas que quis realizar tiveram em conta o seu programa de concretização dos objetivos legados do II Concílio do Vaticano, que procurou atualizar a visão da Igreja sobre o seu lugar num tempo de transformação e de mudança, contribuindo também para a mesma mudança de olhar do mundo em relação à Igreja Católica. As grandes críticas de Francisco tiveram por base o desejo de autenticidade no cumprimento do Evangelho. Quis regressar ao centro da mensagem cristã e ao apelo a uma vida mais próxima da vida de Jesus, livre, humilde, desapegada do poder, de quem serve o outro, porque o ama, independentemente da sua condição social, raça, credo, ou de qualquer outra característica distinta.
Quando o Papa Francisco iniciou o seu governo tornou claro que era necessário prosseguir com a reforma da Igreja, não da sua anulação, mas do seu rejuvenescimento ao jeito do Evangelho. Mostrou que a fé não é domínio de um grupo restrito, mas que abrange a humanidade inteira e que o amor que Deus tem, é por todos sem distinção. Afirmou continuadamente que cabe à humanidade fazer tudo o que está ao seu alcance para cumprir o seu desiderato de cuidar do mundo por todos, como quem cuida de uma "casa comum" a toda a humanidade. Esta expressão universal associa-se a centenas de tantas outras, algumas, autênticos neologismos, que procuraram mostrar que a missão cristã não é nem pode ser uma mera mostra de boa vontade, mas que tem de ser interpelativa, provocadora e atuante.
Do cheiro a ovelhas por parte dos sacerdotes católicos, à força da palavra 'misericórdia', passando pelo contínuo apelo à paz e à denúncia da hipocrisia patente um pouco por todo o mundo, denunciando a mundanidade do poder e do dinheiro, das armas que confundem a justiça e a verdade, as palavras de Francisco tiveram no seu centro os pobres, sempre os pobres. São eles o rosto evidente de Cristo, a presença de Deus no meio do mundo, que mostram como o essencial não é o mercantilismo da imagem, mas que a humanidade é feita de carne e osso, de pessoas inocentes que pagam uma dura fatura pelo egoísmo que cresce em todo o mundo. Foi um Papa que quis assumir com verdade um dos seus títulos mais tradicionais - Servo dos Servos. Esse é o seu legado. As suas encíclicas, as cartas apostólicas, os decretos e as suas homilias, seguem uma linha programática de reforma com uma perspetiva de futuro, de esperança. Não podemos deixar de reconhecer a pontualidade da sua partida dentro da Oitava Pascal que para os cristãos é simbolicamente um dia de Páscoa único. Além deste sinal curioso, Francisco morre após um importante Sínodo por si convocado, na fase da sua aplicação, e em plena celebração do Jubileu da Esperança por si proclamado, em tempos de grande tribulação, onde urge um luzeiro forte e resiliente que ilumine os cantos de escuridão marcados pela guerra em curso.
Morreu o Papa que era de todos, por todos, para todos, e que a todos deixa como órfãos de uma paternidade universal, para crentes e não crentes. Uns rezamos por ele, outros elevam para ele o seu pensamento, e todos agradecemos a sua missão, o seu caráter, o seu pontificado, e todos torcemos para que o próximo Sumo Pontífice dê continuidade a este caminho de futuro e de esperança que Francisco nos deixa.
23/04/2025
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