Breve reflexão sobre o campo religioso em Pierre Bourdieu
(Sobre as posições de um não crente)

José António Pinto “Chalana” é Técnico Superior de Serviço Social.
Sou apaixonado pelo sociólogo que nasceu na Argélia em 1930, mas não estou teoricamente apetrechado para falar ou escrever sobre Pierre Bourdieu. A minha humildade intelectual acentuou-se nestas férias. No dia 26 de julho meti na mochila a obra, "Bourdieu e os seus livros” exercícios práticos de leitura, com a brilhante coordenação de Virgílio Borges Pereira docente de Sociologia na FLUP. São 342 páginas de leitura deliciosa, mas impossíveis de resumir neste artigo. Do espaço social às teorias dos campos, a religião, ou a interpretação da teoria da Religião em Pierre Bourdieu, tem no livro algumas referências, mas nenhum capítulo de aprofundamento conceptual.
Mesmo assim, sabemos que o sociólogo francês define a religião (tradicional) como um conjunto de bens simbólicos relativos à esfera do sagrado. Os símbolos, para Bourdieu, também são instrumentos políticos que tornam possível o consenso e a integração. Este contributo teórico reforça muito uma tese de Karl Marx, que dizia que a religião tem na sua função principal conservar a ordem social, contribuindo assim para a legitimação do poder dos dominantes e para a domesticação dos dominados. A crença religiosa é a adesão voluntária a um conjunto de regras sociais, valores, paixões, rituais, costumes, modos de vida e hábitos de forma consentida. É isto que imprime sentido às ações dos indivíduos na estrutura social, ou seja, as práticas sociais resultam do que interiorizamos. A interpretação que fazemos dos factos observados na nossa vida é muito condicionada pela nossa influência religiosa, por isso para Bourdieu, o campo religioso pode ser um campo da sociologia do conflito e da dominação. É preciso, portanto, ao pensar as religiões, compreender qual o seu papel na configuração social imposta.
Para Bordieu, as explicações religiosas necessitam de ir de acordo com os interesses dos grupos dominantes, para que estes se mantenham em situação de privilégio e que os grupos dominados compreendam a condição que lhes foi imposta. Neste quadro conceptual, o discurso produzido pela religião, tenta demonstrar que as condições sociais dos oprimidos, são fruto de uma vontade divina e que nada pode ser feito para mudar de vida. Bourdieu conclui neste quadro, que a religião desempenha a função simbólica de conferir à ordem social um carácter transcendente e inquestionável.
Porém, não podia terminar este texto sem um parágrafo de esperança. Bourdieu também diz que as instituições burocráticas da Igreja, que servem de suporte e legitimação ao poder e controlo de grupos ou classes na condição de explorados e discriminados, enfrentam hoje uma contestação de profetas.
Estas teologias progressistas e pluralistas defendem outra conceção religiosa do mundo, contrária à desigualdade, à exploração, à discriminação social.
Tais teologias, apoiadas em fortes movimentos religiosos progressistas, podem ser uma forte componente de luta contra a desumanização dos povos provocada pelo capitalismo e pelas organizações que os sistemas simbolicamente através de religiões clericais sustentam.
Bourdieu diz que estes teólogos não beneficiam de aparato burocrático, mas a história tem demonstrado ao longo dos anos, que essas teologias podem contribuir de forma significativa e crescente, para a busca da dignidade humana e da emancipação dos povos.
20/08/2025
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