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HABITAÇÃO – UM DIREITO HUMANO BÁSICO
A cidade a que não temos direito

O ano de 2023 ficou marcado em Portugal pela exigência e a luta de muitos, e são cada vez mais, pelo direito à habitação. Pela exigência de acesso a um dos direitos humanos fundamentais. Como justamente sublinhou o Papa Francisco “Como José, questionais-vos: Por que estamos sem um tecto, sem uma casa” repetindo porquê, porquê?

HABITAÇÃO – UM DIREITO HUMANO BÁSICO
A cidade a que não temos direito

Alexandre Valério é licenciado em Geografia e foi dirigente de uma IPSS, com a colaboração de Andreia Sousa, Técnica de Serviço Social e do movimento “Porta a Porta – Pelo Direito à Habitação”.

Uma justa interrogação quando abordamos uma dramática situação com diferentes expressões, que empurra os mais desfavorecidos, cada vez mais para as periferias, desenvolvendo a gentrificação do território, sendo essas periferias cada vez mais longe, porque como afirmou (27. Set. 2023) a Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) "o direito à habitação é um direito fundamental da pessoa e da família" porque sem "sem acesso à habitação está comprometida a integral realização da pessoa, a formação de jovens famílias e agrava-se o problema da queda da natalidade, perante a falta de condições”, sendo por isso fundamental identificar causas e como lhes fazer frente.

Para quem vive e trabalha no nosso País são inúmeras as barreiras para ter acesso a uma habitação digna, desde os salários, às rendas elevadas ou às brutais prestações bancárias. Uma realidade agravada nos grandes centros urbanos, como Lisboa, pela maior densidade populacional ou pela elevada especulação imobiliária, e a aposta no alojamento local ou em actividades hoteleiras e turísticas.

Não por acaso há um reduzido investimento no parque habitacional público que em Portugal corresponde a apenas 2% (são 120 mil fogos - 100 mil das autarquias e 20 mil do IHRU) dos cerca de 6 milhões de alojamentos existentes em todo o país. Compare-se com o que se passa na Europa:- a habitação social corresponde a 30% na Holanda, 24% na Áustria, 20% na Dinamarca, 19% na Suécia e 17% na França. Acresce que há pouco apoio para a compra ou arrendamento compatível com os rendimentos das pessoas. Sublinhe-se que mais de 3 milhões de trabalhadores ganham menos de mil euros. Mais de oitocentos mil ganham o Salário Mínimo Nacional. Isto corresponde a mais de metade da força do trabalho. Relativamente aos idosos e depois de muitos terem sido despejados dos centros urbanos devido ao Alojamento Local e à especulação imobiliária, temos hoje 80% dos pensionistas com pensões inferiores a quinhentos euros. Como é que estas pessoas podem pagar uma renda que não seja social, que não seja no regime do arrendamento apoiado.

Por isso, é necessário intervir simultaneamente na oferta e na procura de várias formas, mas é imprescindível e muito urgente injetar mais habitação no mercado, nomeadamente habitação pública. Com construção de raiz e também através da recuperação de imóveis do Estado desde há muito ao abandono.

O último concurso para o programa renda acessível, em Lisboa, teve 5000 candidatos para 46 casas. Sendo clara a opção pela especulação imobiliária e, em particular o mercado de luxo ou a opção pelo alojamento local, aproveitando novas formas de procura, como os vistos gold, os nómadas digitais ou as autorizações para não residentes ou mesmo recusando disponibilizar habitações para o mercado.

É por isso significativo que a mesma CNJP, apoiada por 10 Comissões Diocesanas, que reafirma a Habitação como um direito fundamental da pessoa e da família, venha falar na necessidade de respeitar o direito da propriedade privada, embora complemente, que o arrendamento deverá ser a preços justos e não especulativos. É essa exigência e esse clamor que têm impulsionado muitos jovens e famílias, a sair à rua, reclamando o direito a uma habitação digna compatível com os seus salários, retomando a interrogação de José “ por que razão estamos sem um tecto, sem uma casa” mas também porque temos de partilhar casas ou quartos, como os nossos antepassados. Não há uma resposta única, mas existem várias causas, desde a falta de respeito pelo ser humano e os seus direitos básicos, mas também o não cumprimento da Lei de Bases da Habitação, que inscreve que todo o imóvel deve cumprir, a sua função social; a falta de investimento em políticas públicas que alarguem o parque público habitacional, optando-se antes pela responsabilização dos municípios, são algumas dessas causas. A que é necessário associar as opções de venda do património público ao sector privado, para o reabilitar e depois vender, potenciando assim a especulação imobiliária.

A cidade de Lisboa (Censos de 2021) possuía 48 mil alojamentos vagos, excluindo segundas casas, casas de férias, casas de emigrantes ou de pessoas deslocadas por razões de saúde ou profissionais, na verdade alojamentos inseridos na especulação imobiliária.

Muito mais seria possível afirmar, desde o elevado valor do metro quadrado, ao crescimento brutal das prestações bancárias e das taxas de juro associadas, com os principais bancos a operar em Portugal, a alcançar chorudos lucros, sem mostra lucrando nos primeiros nove meses de 2023 o montante de 3,300 mil milhões de euros. O actual governo mostra-se como cúmplice da perpetuação destes aumentos.

Os impactos sociais da falta de habitação em grandes centros urbanos, como Lisboa, são sentidos entre aqueles que possuem rendimentos mais baixos, mas igualmente na perda da cultura local; na vida associativa, na composição social, no comércio local, substituído por hotéis, na sustentabilidade dos bairros históricos e no maior número de casos de pessoas em situação de sem abrigo; tudo isto fruto de uma opção capitalista de olhar para habitação como mercadoria, de valorizar a especulação imobiliária em detrimento de políticas públicas de habitação que considerem os salários ou pensões existentes.

Para dar resposta à interrogação de José “ por que razão estamos sem um tecto, sem uma casa” é, necessário não baixar os braços, recusando olhar com indiferença para quem nos rodeia, mas antes participando em conjunto, como no Movimento Porta a Porta, dando alento e esperança para que sejam mais aqueles que clamam por direitos humanos básicos, direitos que são seus, como o direito à habitação.

20/02/2024

A equipa assume a gestão editorial de Terra da Fraternidade, mas os textos de reflexão vinculam apenas quem os assina.

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