A mal-encarada honestidade
Na Madeira estamos num período histórico, quanto ao que tem de positivo, mas também quanto ao que tem de negativo e inquietante.

José Luís Rodrigues é padre e pároco de São Roque e São José, no Funchal.
Por um lado, regozijamo-nos pelo progresso que nos trouxe mais e melhor educação, mais e melhor saúde e todas as oportunidades que fizeram sair da miséria a maioria do povo madeirense.
Temos hoje um conjunto de pessoas vindas de um leque muito variado de famílias bem formadas e com currículos vitae extensíssimos e invejáveis. Assim, sem qualquer receio de ser abusivo intento denominar este conjunto de pessoas de «ínclita geração». Porque noutro tempo não foi assim. Em qualquer família madeirense sem insígnias brasonadas que lhe desse nome e importância, os rapazes estavam destinados à emigração ou ao cultivo agrícola e as raparigas às lides domésticas no casamento para procriar.
Este avanço é positivo e afere o quanto progredimos em termos de formação humana e académica. Este dado é relevante e importante que se releve como dado crucial que nos mostra o quanto melhorou a vida do povo da Madeira.
Por outro, ao mesmo tempo salta-nos à vista o descalabro da ética, a morte da fidelidade aos compromissos e o fim dos princípios morais.
Na medida em que sobejamos em formação e currículos, licenciados, doutores e mestrados, minguamos em educação, em falta de ética, respeito pelo bem comum e de uns pelos outros.
Esta contradição arrasta-nos para o lamaçal da corrupção, das suspeitas de que há interesses pessoais instalados nos meandros do poder público que conduzem à suspeição, desconfianças, investigações judiciais e à lista de arguidos. Sem pensar no quanto tudo isto é gerador de pobreza, desigualdades gritantes e de injustiça desumana.
Face a este quadro vamos ter que reconhecer que as ações de pessoas que faziam comandar a vida de tanta gente - diríamos que altamente educada ou nada formada de acordo com aquilo que consideramos formação à luz dos nossos tempos – mas que bastante educada, não se importava nada com o elevado preço pessoal e familiar, para se entregar honestamente de corpo e alma à preservação do bem universal.
Hoje ao contrário dos ditos bem formados, mas que consta vazios de educação e sentido de honestidade, movem nas suas ações sempre em primeiro lugar os seus interesses pessoais face ao respeito pelo bem universal, destinado a toda a comunidade. A perda do sentido comunitário é outro mal que nos corrói socialmente, o espírito e toda a nossa dimensão cultural.
Os tempos que vivemos são intrigantes e deveras ardilosos de mentira e de medos para que se mantenha a mesma claque alapada ao poder exercido sem honestidade e valores éticos. E ao mesmo tempo a falta de vergonha dita o pulsar deste quotidiano destituído de bom senso e transparência.
O povo simples, muitas vezes mal informado, não demandam as fobias e as mentiras para conseguir dividendos do poder político, financeiro e económico. Antes sim os líderes políticos que se perfilam com a maior descontração, suspeitos e arguidos em processos judiciais por corrupção, se apresentam ao povo imbuídos de mentiras e criadores de fobias face ao diferente e a outras possibilidades de escolhas democráticas.
Neste âmbito emerge uma sociedade apática e indiferente face à vida social e política, naquela ideia injusta como ponto final de conversa, «são todos iguais». Mas escreveu Hanna Arendt: «O mal prospera na apatia e não pode existir sem ela». Foi este o melhor fertilizante da corrupção e da assunção da desonestidade nas nossas sociedades.
Com segurança concluímos que é dos ditos bem formados, mas deseducados de todo, que se alimenta a corrupção e as políticas dos medos às diferenças. E tudo legitimado pela apatia e indiferença do povo simples.
A falta de ética e a corrupção fez o Papa Francisco proclamar na sua Autobiografia, Esperança (janeiro 2025), pág. 146 o seguinte: «Somos todos pecadores. Se dissesse de mim que não era, seria maior corrupto. Na oração a Maria dizemos que é mãe de “nós pecadores”, e assim é. Porém, dos corruptos, não. Dos corruptos não pode sê-lo. Pois os corruptos vendem a mãe, vendem a pertença a uma família, a um povo. Fazem uma escolha egoísta, direi satânica: fecham a porta à chave por dentro. Fecham-se a eles e com uma volta dupla. O corrupto não se reconhece pecador, não tem a humildade para isso, nunca foi ele, não sente culpa. A incapacidade de sentir-se sem culpa é uma doença grave e difusa, sobretudo nesta época. Uma doença que mete medo».
Por dentro destas linhas do pensamento papal, quase que nos atrevemos a dizer que haverá perdão para todos os pecados da humanidade, menos para o grave pecado da corrupção.
Há madeirenses racistas, intolerantes, que batem nas mulheres (neste janeiro de 2025 já contam as estatísticas que houve mais de cinquenta vítimas de violência doméstica), que gostam de poncha, de música de todos os tipos, festas e convívios o ano inteiro, já temos alguns que são ateus, agnósticos, cristãos-católicos e outros. Uma diversidade que não é problema, é riqueza.
Nesta amalgama diversificada que digo riqueza, os madeirenses são gente boa, gente de valores humanos ancestrais, que os leva a cuidar dos mais velhos, das crianças e dos jovens, servem os outros com delicadeza e ética, cultivam a terra e vivem com honestidade.
Por isso, precisam de quem os represente e governe dentro desse espírito da ética, do respeito pelos outros, com prioridade absoluta pelo bem universal dos bens com total honestidade e desprendimento dos interesses pessoais, que são um puro veneno quando se tornam o único foco egoísta e a obsessão neurótica pelo dinheiro.
17/02/2025
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