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Quando a foice encontra a cruz: Conversa com Dean Dettloff acerca do cristianismo e da esquerda (3)

7 de abril de 2023

Por Alexander Shah (Class Colective)

Quando a foice encontra a cruz: Conversa com Dean Dettloff acerca do cristianismo e da esquerda (3)

Imagem: 15.ª Estação da Cruz da América Latina de Adolfo Pérez Esquivel.

CC | Historicamente, o cristianismo tem sido utilizado como uma ferramenta tanto para oprimir como para levantar as classes trabalhadoras e os oprimidos. O seu podcast baseia-se muito na tradição da teologia da libertação da América Latina que se tornou famosa por pedir uma “opção preferencial para os pobres”. Como é que acabou por se identificar com esta abordagem teológica? E poderia clarificar mais concretamente o que se entende por teologia da libertação?

DD |A “teologia da libertação” é um conceito complicado. Muitas vezes as pessoas utilizam-no para identificar qualquer tipo de teologia que se incline para a esquerda e, embora eu compreenda esse impulso, penso que é um erro. Existe um sem número de teologias da libertação relacionadas com lutas específicas, por exemplo a teologia da libertação negra, a teologia da libertação gay e lésbica e por aí fora. A tradição com a qual estou mais familiarizado é com a teologia da libertação que surge, como disse, na América Latina e que é, principalmente, embora não exclusivamente, católica. Institucionalmente, a tradição católica emergiu após um acontecimento histórico denominado Concílio Vaticano II, no qual a Igreja reavaliou a sua relação com a modernidade e preconizou uma maior abertura de diálogo com pessoas e tendências fora da Igreja.

Na América Latina, os bispos responderam a esse Concílio na medida em que refletiram mais profundamente acerca da exploração das pessoas nas suas dioceses e, em 1968, pediram uma visão da igreja enraizada em “comunidades de base” a nível local, grupos de cristãos que se encontravam para o culto, mas também por propósitos sociais. Muitos sindicatos de trabalhadores, campanhas de alfabetização e outras iniciativas nasceram dessas comunidades. Em paralelo com a Igreja institucional, as próprias pessoas em toda a América Latina estavam a constituir frentes organizadas contra as forças que as exploravam e, uma vez que a região é maioritariamente católica, não é de surpreender que existam formas de catolicismo que resultaram dessa experiência. Além disto, existem todos os teólogos de permeio, com um pé na instituição e o outro nos movimentos populares, que formalizam estas questões na linguagem da teologia ao mesmo tempo que desafiam a tradição teológica recebida. Assim, existe muita movimentação dentro da Igreja e nesta região em geral e a teologia de libertação da América Latina é o fruto desse período de rápidas mudanças eclesiásticas e sociais. Num grande livro sobre teologia da libertação, o marxista brasileiro Michael Löwy observa que o Concílio Vaticano II e a Revolução Cubana são os dois percursores simbólicos da teologia da libertação.

Pessoalmente, descobri a teologia da libertação enquanto cristão, procurando uma resposta aos pedidos de Jesus para que se alimentassem os famintos, vestissem os nus, e libertassem os prisioneiros. Cresci católico, mas passei algum tempo fora da Igreja Católica, numa variedade de outras tradições, cristãs e não só. A teologia da libertação foi, em parte, responsável pelo meu regresso à Igreja Católica. Senti o chamamento para regressar à Igreja e a teologia da libertação fez-me sentir que, ao fim de contas, existia nela um lugar para mim. Assim, torna-se a lente através da qual eu compreendo a minha própria fé, embora tendo em conta, obviamente, que as condições materiais nas quais surgiu e o mundo no qual eu cresci, primeiro nos Estados Unidos e depois no Canadá, são bastante diferentes.

Originalmente publicado em Class Collective: https://www.classcollectivemag.com/speaking-with-dean-dettloff-about-christianity-and-the-left

Tradução: Carla Ribeiro e SDB

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