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Entrevista do Terra da Fraternidade a Tiago Oliveira

1 de maio de 2024

No ano em que se comemora o 50º, 1º de Maio -Dia Internacional do Trabalhador- em liberdade, o Terra da Fraternidade entrevista Tiago Oliveira, Secretário- Geral da CGTP-IN.

Entrevista do Terra da Fraternidade a Tiago Oliveira

Foto: Diário de Notícias

1- Tiago, iniciou há poucos dias a tarefa de Secretário-Geral da CGTP-IN e embora já tivesse uma tarefa de enorme responsabilidade no distrito do Porto, para muitos trabalhadores, ainda, é uma cara nova na luta sindical. Quem é o Tiago Oliveira e onde pretende conduzir a CGTP-IN?

Boa pergunta. Sou um trabalhador como todos os outros. Alguém que começou a trabalhar aos 16 anos de idade, que cedo sentiu na pele o que é a luta de classes, mas também a capacidade de organização e de luta dos trabalhadores. Tive a sorte de ingressar numa empresa onde a estrutura e a presença sindical eram muito fortes o que me permitiu ganhar consciência de classe e acreditar que outro rumo é possível. Em todo este processo a presença e o apoio dos meus camaradas do sindicato foi fundamental.
Não quero que nenhum camarada, que nenhum trabalhador me veja mais do que aquilo que sou, um deles, alguém do mundo do trabalho.
Sobre o futuro não muda nada. Há uma coisa que nos distingue de tudo o resto. A CGTP-IN é uma organização do colectivo, que discute e decide as suas linhas orientadoras no colectivo. Um percuso de 53 anos de vida repleto de conquistas, de coisas muito bonitas, mas de momentos difíceis também. E uma coisa é certa, nunca capitulamos, nunca baixamos os braços, nunca traímos os direitos daqueles que são e devem ser o centro de todas as decisões, os trabalhadores e o povo. Nesse sentido e se me posso atrever a dizer isto, a única coisa que desejo é que este enorme colectivo que é a CGTP-IN conduza os trabalhadores para muitas mais conquistas e para a elevação das suas condições de vida e de trabalho.

2- Os últimos anos foram atípicos e isso teve consequências no mundo do trabalho, como já havia reconhecido a sua antecessora Isabel Camarinha. Com o novo quadro político, saído das eleições de 10 de Março, considera que a situação poderá agravar-se?

Sem dúvida. O actual quadro não augura nada de positivo, bem pelo contrário. Basta ler o programa eleitoral da AD (PSD/CDS) para percebermos, porque está escrito preto no branco, quais os objectivos concretos deste governo para os próximos anos. E não é exagerar quando afirmamos que o mesmo é muito mau. Desde o posicionamento relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, aliás caracterizado no programa como Sistema Nacional de Saúde, com o objectivo de continuar a trilhar este caminho de desvalorização e desinvestimento no SNS para o entregar aos grupos privados, o ataque à escola pública, à segurança social através da sua descapitalização e ao mundo do trabalho nomeadamente através da perpetuação dos baixos salários, a proposta do PSD/CDS é só atingir os 1000 euros de SMN em 2028, são reveladores que estes próximos anos vão ser de muita luta e resistência. Mas resistir também é vencer e nós cá estamos para resistir mas também para conquistar mais direitos e garantir que as conquistas de Abril se mantêm bem vivas.

3- Hoje, Portugal é o novo lar para milhares de imigrantes, que por cá procuram uma vida melhor. Infelizmente, vai-se observando que muitas das vezes, esses homens e mulheres, são olhados de lado ou empurrados para condições de vida e de trabalho pouco dignificantes. Os sindicatos da CGTP-IN estão despertos para a sindicalização e apoio a esses trabalhadores?

É um facto que hoje e cada vez mais, assistimos a um aumento de trabalhadores imigrantes. São homens e mulheres, trabalhadores, que procuram uma vida melhor, uma vida de esperança e de futuro.
O que é inaceitável é olharmos para o mundo do trabalho e constatarmos que estas pessoas, que auguram uma vida melhor, serem confrontados com a realidade dum mundo de exploração e de incerteza.
Vivemos numa sociedade capitalista, que se aproveita desta realidade para se alimentar e capitalizar ainda mais a fragilidade existente.
O movimento sindical, a CGTP-IN está atenta a estes processos. Não são situações fáceis de acompanhar seja pela precariedade existente, seja pela barreira linguística, seja pelas condições de insegurança e o próprio medo que se instala sobre estes trabalhadores.
Mas temos situações e exemplos bastante positivos sendo exemplo disso as intervenções e o acompanhamento que por exemplo o SINTAB tem realizado junto dos trabalhadores do sector agrícola e alimentação.
O fundamental é continuarmos a estar junto destes trabalhadores e a denunciar a exploração a que estão sujeitos.

4- Em 2012, representou a União dos Sindicatos do Distrito do Porto - onde mais tarde assumiu a tarefa da coordenação - numa viagem promovida pela Federação dos Resistentes Antifascistas e a URAP a Auschwitz. Trouxe consigo alguma lição para vida? Considera haver algum paralelismo com o momento actual na Europa e no Mundo?

Foi uma viagem marcante, sem dúvida. Pela história que encerra e pelo sentimento que nos assola ao constatarmos a dimensão e a realidade do que muitas vezes nos é transmitido, seja nos livros ou nos testemunhos de pessoas, etc.
Mas ali, ao alcance do nosso olhar, podermos ver e refletir sobre um dos momentos mais negros da história. É como se algo que ganhasse corpo e se tornasse realidade. Foi um momento marcante.
Sobre o paralelismo é simples… para que a história não se repita é fundamental não esquecer a mesma, não adulterar, não permitir que desapareça.
O aumento das forças reacionárias e fascizantes não advém de analises simplicistas. É a falta de resposta aos problemas concretos dos trabalhadores, o descrédito que se sente pelo continuo e crescente sentimento de injustiça, o aumento das desigualdades, o crescimento brutal do fosso entre os mais ricos e os mais pobres, tudo isto perpetrado por forças políticas que continuamente prometem responder aos justos anseios das populações e que depois, no fundo, estão comprometidas com os interesses do capital, que conduzem a estas situações de extremismos.
Políticas que acentuam as dificuldades, que desregulam cada vez mais a vida familiar, que olham para os trabalhadores como uma peça duma engrenagem ao serviço do capital.
O capital não tem pátria e por isso mesmo a exploração intensifica-se em todas as suas vertentes e lugares.

5- O Tiago não viveu o 25 de Abril. Como sente as efemérides dos 50 anos do 25 de Abril e do 1º de Maio em Liberdade?

Não vivi presencialmente, mas vivi ao longo dos tempos.
O meu pai, militante comunista e delegado sindical foi um desses construtores. A CGTP teve um papel preponderante na luta e mobilização dos trabalhadores. Na condução política do que estava a ser construído. E tive essa referência que para mim me marcou muito. Sempre pela positiva, mas também por momentos mais difíceis no seio familiar.
Depois o local de trabalho. Quando entrei para a Auto-Sueco tinha 17 anos e entrei para uma empresa que tinha uma das maiores estruturas do Sindicato dos Metalúrgicos do Norte na altura.
Por isso a discussão política, as conquistas dos trabalhadores, como foram atingidas, como foi possível alcança-las sempre estiveram presentes. E hoje estamos numa fase de resistência. Mas o 25 de Abril deste ano mostrou que Abril está bem vivo, que os seus valores bem assentes na nossa sociedade, que os trabalhadores e o povo cá estão para os defender e continuar a trilhar as portas que Abril abriu.

6- Atendendo à realidade e às muitas dificuldades porque passam milhares de trabalhadores e reformados no País, quais são as principais linhas reivindicativas que a CGTP-IN considera como determinantes para assegurar uma melhoria de condições de vida e de trabalho?

Que o trabalho seja valorizado. É fundamental. Tanto daqueles que trabalharam uma vida como os que hoje estão a fazer o seu caminho como para aqueles que amanha entrarão para o mundo do trabalho.
Valorizar o trabalho, valorizar aqueles que todos dias, fruto do seu empenho e dedicação, permitem que nada falte nas nossas vidas, é fundamental para uma mais justa distribuição da riqueza. É nesse sentido que a CGTP constrói a sua acção reivindicativa, tendo em conta os problemas e justos anseios dos trabalhadores.
O aumento dos salários é fundamental. Tanto para fazer face ao brutal aumento do custo de vida como para criar as condições para uma reforma digna assim como para dinamizar a economia nacional que está maioritariamente dependente do consumo interno.
Outra das principais reivindicações da central é o combate à precariedade. Portugal é o segundo país da UE com maior número de vínculos precários. Isto reflete a chaga social que vivemos.
Mas também assumimos a luta contra a desregulação dos horários de trabalho, 45% dos trabalhadores tem horários de trabalho atípicos, ou seja, por turnos, nocturno, ao serão ao sábado e ao domingo. Não estamos a avançar, estamos sim a regredir no que foram conquistas importantes da vida dos trabalhadores. E por último a contratação colectiva. É preciso acabar com esta ferramenta que o patronato tem ao seu serviço para através da chantagem e da ameaça da sua caducidade ir cada vez mais impedindo a negociação colectiva e retirar direitos aos trabalhadores. É preciso revogar as normas gravosas da legislação laboral.

7- Desde há muito que a destacados dirigentes da Liga Operária Católica, ocupam cargos de direcção na CGTP-IN. Do que tem assistido, os Movimentos de Trabalhadores Cristãos têm contribuído para a elevação do diálogo e da unidade dentro dos próprios órgãos da Central?

Sem dúvida. É preciso não esquecer o papel da LOC na fundação da CGTP, no seu percurso e na experiência e realidades que traz para a discussão. As participações de militantes da LOC nos órgãos da central têm sido determinantes para que, passados 54 anos da nossa história sejamos a maior organização social do pais com mais de 563 mil associados.

8- Para finalizar, sendo o Terra da Fraternidade um site pluri-religioso que defende e promove os princípios universais da paz, fraternidade e igualdade, perguntamos-lhe: considera que a religião pode ser uma ajuda à criação de mais unidade entre os trabalhadores?

Os povos da Antiguidade pediam a Deus que lhes fosse concedido uma Lei justa e um Rei justo, que os libertasse da opressão das tiranias que os oprimiam, certamente também quando se tratava das relações de trabalho.
Os profetas não se cansaram de denunciar a exploração que as classes dominantes exerciam sobre os pobres, até porque o destino ditado ao ser humano de comer o pão de cada dia à custa do suor do seu rosto também significa, exactamente, que o pão que come não pode resultar da exploração do trabalho alheio.
As reflexões religiosas concluíram que o ser humano foi criado para a felicidade, realizando-se na concretização das suas capacidades e na partilha da riqueza criada, como é evidenciado na “multiplicação dos pães”.
As Bem Aventuranças, que foram instrumentalizadas no passado, e por vezes ainda no presente, para sustentar uma ordem socialmente injusta, são um grito de revolta contra os atropelos cometidos contra os pobres e marginalizados e a garantia de que uma nova realidade será sustentada pela justiça e pela fraternidade: felizes os pobres, porque não passarão mais fome; felizes os que choram, porque não terão razões para chorar…
Este caminho continua a ser apontado na designada Doutrina Social da igreja, e assumida nos movimentos cristãos ligados ao mundo do trabalho. As religiões, conjuntos de reflexões – expressos em livros sagrados, como a Bíblia ou o Corão – sobre o ser humano, a sua existência, as suas preocupações e a consciência de missão, são certamente um caminho para maior unidade entre os trabalhadores, na medida em que apresentam modelos sustentados em princípios e valores para a construção de uma sociedade justa e fraterna.

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