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Entrevista do Terra da Fraternidade a Isabel Camarinha

13 de outubro de 2023

O Terra da Fraternidade realizou uma entrevista à Secretária-Geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, onde questionou a Dirigente Sindical sobre o actual momento político-social, a actualidade do Movimento Sindical Unitário e a importância da religião para a luta contra a pobreza, pela igualdade, paz e fraternidade.

Entrevista do Terra da Fraternidade a Isabel Camarinha

Foto: Conselho Económico e Social

1- Isabel, como observa a CGTP-IN o actual momento porque está a passar o mundo e o País?

Vivemos tempos de grande complexidade em que coexistem fortes ameaças e derivas preocupantes e, ao mesmo tempo, enormes potencialidades.

No plano mais global dá-se esta contradição gritante que é a de os trabalhadores produzirem um nível de bens e serviços ímpar que chega para cobrir as necessidades de todos e, ao mesmo tempo, se manter uma parte substancial da população mundial na mais absoluta das misérias. Os mecanismos da exploração, da acumulação e centralização do capital, a opulência de uma ínfima minoria, que em alguns casos tem mais riqueza que a de Estados por inteiro considerados, é insustentável. A superação desta injustiça é uma tarefa que se nos coloca e é também neste contexto que desenvolvemos relações de solidariedade e cooperação com os explorados de todo o mundo.

As guerras, a ingerência do imperialismo, a desestabilização e destruição das bases sociais e materiais de países e regiões do mundo, não pode ser dissociada das motivações que presidem a esta prática que, na generalidade, se ligam com o “negócio”, com o domínio geoestratégico e com o ataque a toda e qualquer forma de organização que ponha em causa a ordem mundial que o imperialismo quer manter.

No plano nacional, ressalta a necessidade de afirmar um novo modelo de desenvolvimento, de esquerda e soberano, que potencie todas as condições que o país tem.

É por opção e não por sermos um “país pobre”, que continuam a faltar respostas aos problemas concretos de trabalhadores e da generalidade da população.

Nos primeiros seis meses do ano, 20 grupos económicos e multinacionais do nosso país tiveram lucros de mais de 25 milhões de euros diários. Quando alguns afirmam que não há dinheiro, que não há condições, consideramos que o que é necessário é romper com os mecanismos que levam a esta desigualdade.

Com uma maioria absoluta que, como alertámos, seria nefasta para os trabalhadores, o PS tinha todas as condições para outras opções, mas mantém uma política que favorece os interesses dos mais ricos e poderosos do nosso país, distinguindo-se pouco das orientações do PSD, IL, CH e do CDS, ainda que uma outra medida, considerada isoladamente, até poder ir em sentido positivo.

Resumindo, o momento por que passa o país e o mundo convoca os trabalhadores a uma acção esclarecida, organizada e persistente de luta.

2- Há 3 anos que assumiu funções enquanto Secretária-Geral da CGTP-IN. Nesse período viveu-se uma pandemia, o Código do Trabalho voltou a sofrer alterações e actualmente fala-se mais que nunca na Inteligência Artificial. Como considera que estas realidades influenciaram a vida dos trabalhadores e suas famílias?

Os elementos que colocam têm uma natureza distinta. A pandemia foi uma gravíssima situação de saúde pública. As alterações ao Código do Trabalho decorrem de opção política e a Inteligência Artificial (IA) é o resultado do desenvolvimento das forças produtivas, é, em si, um produto do trabalho.

São factores que se ligam e têm influência na vida dos trabalhadores, que surgem e actuam num contexto que é marcado pelos baixos salários, a exploração, a precariedade e colossais níveis de concentração da riqueza.

Na pandemia, e todo o enquadramento que a envolveu, procurou-se incutir o medo, o isolamento, a aceitação de violações à liberdade individual e colectiva em que, a partir da acção concreta, da ligação aos trabalhadores e à resolução dos seus problemas, procurámos intervir, combatendo os ataques aos direitos e o aumento da exploração.

As alterações ao Código do Trabalho deixaram intocados os principais instrumentos que estão na base da crescente fragilização dos trabalhadores, nomeadamente ao nível da contratação colectiva e das armas de chantagem que o patronato usa como sejam a caducidade das convenções colectivas ou a não efectivação do princípio do tratamento mais favorável na sua plenitude.

A IA é um exemplo paradoxal das contradições do capitalismo, do caracter social da produção e da apropriação privada dos meios de produção. Por um lado, os trabalhadores produzem tudo para todos em todos os sítios do planeta, ampliando-se a produção e o seu caracter social. Por outro, são cada vez menos os que concentram cada vez mais os meios de produção e a riqueza produzida.

No caso da IA, colocada ao serviço da sociedade, do desenvolvimento e liberta da instrumentalização pelo capital, é uma poderosa ferramenta para a elevação das condições de vida e de trabalho, mas aquilo que se verifica é o inverso. A IA está a ser usada para aumentar ainda mais os lucros, para intensificar ainda mais os ritmos de trabalho, para cavar ainda mais na desigualdade.

Também nesta frente, em concreto na questão da legislação laboral e da IA, será a força organizada dos trabalhadores e a luta a determinar as mudanças que se impõem.


3- À semelhança do que aconteceu noutros períodos, considera que os Sindicatos podem ser a principal ferramenta dos trabalhadores para alterar a situação e inverter o actual rumo do País, nomeadamente no que diz respeito ao empobrecimento que a esmagadora maioria dos trabalhadores estão a sentir?

Os sindicatos, e no concreto os sindicatos de classe, são um poderoso instrumento dos trabalhadores para a elevação das suas condições de vida e de trabalho. A CGTP-IN é a maior organização social em Portugal, deu e dá um forte contributo na defesa dos direitos e nos avanços.

A inversão do actual rumo do país exige o compromisso de outros, seja no plano social, seja daqueles a quem, e bem, a Constituição atribuiu a responsabilidade de nos representarem no plano político.

A CGTP-IN, com a sua acção, procurará sempre influenciar e forçar a ruptura com a actual política, elevar a consciência social e de classe dos trabalhadores, num contexto marcado por uma profunda ofensiva ideológica.

É neste quadro que ganha importância o envolvimento dos trabalhadores nas acções em cada empresa e sector, a participação empenhada no seu sindicato e a mobilização para a luta convergente que vamos fazer entre os dias 25 de Outubro e 11 de Novembro sob o lema "Luta Geral pelo Aumento dos Salários!", bem como na Manifestação Nacional de dia 11 de Novembro, em Lisboa e no Porto, "Pelo Aumento dos Salários | Contra o Aumento do Custo de Vida".

Mobilizar os trabalhadores e as famílias, os reformados e pensionistas, os jovens e outras camadas da população, para saírem à rua pelo aumento dos salários e pensões, pelo direito à habitação, o direito à saúde e ao SNS, pela defesa e fortalecimento dos serviços públicos, na exigência de um outro rumo para o país é a tarefa imediata que temos pela frente para defender e conquistar direitos.


4- Desde sempre que a CGTP-IN pugna pela unidade entre os trabalhadores, independentemente da sua tendência política, crença religiosa, etnia ou qualquer outro factor. Nesse sentido, desde sempre os órgãos executivos da central têm na sua composição, quadros sindicais, afirmativamente católicos.
Para si, qual é a importância do envolvimento dos católicos e outros crentes no Movimento Sindical Unitário?

A presença de católicos que assumem a defesa intransigente dos trabalhadores e dos mais desprotegidos é fundamental. A riqueza e carácter único da CGTP-IN espelham-se na sua acção que é indissociável da sua composição.

A presença de trabalhadores que têm uma inserção social diversificada, nomeadamente os católicos, permite-nos absorver preocupações e anseios e alargar a nossa acção.

Manter esses equilíbrios na composição dos órgãos é uma questão central para manter a identidade da CGTP-IN, tendo sempre presente que a condição primeira de todo o dirigente sindical, “independentemente da sua tendência política, crença religiosa, etnia ou qualquer outro factor”, é o seu compromisso com a defesa dos trabalhadores.


5- Para finalizar e sendo o Terra da Fraternidade um projecto pluri-religioso que pretende unir e agregar vontades de mudança para um mundo de paz, mais justo e solidário, onde a religião não seja um entrave mas um catalisador para o entendimento dos progressistas, perguntamos: Em que medida a religião pode ser uma aliada na luta dos trabalhadores?

Do ponto de vista estritamente pessoal considero que as opções religiosas de cada um devem ser garantidas e respeitadas. Os problemas e anseios dos trabalhadores são os mesmos, independentemente da crença religiosa. Essa crença, alicerçada numa perspectiva de progresso e emancipação social, pode ser um importante catalisador da luta.

A religião pode e deve dar um importante contributo, tendo também no seu âmbito uma reflexão e acção que coloque no centro os interesses dos explorados, dos trabalhadores e a necessidade de encontrar soluções para os problemas com que nos confrontamos.

Ao colocarem o vosso projecto numa perspectiva pluri-religiosa, deixam claro que que não só há possibilidade, como há uma absoluta necessidade de estabelecer pontes e agregar todos os que têm objectivamente interesses convergentes. Remover e combater a instrumentalização que alguns querem fazer, também através de pseudo-argumentos religiosos, para dividir os trabalhadores, é uma questão central em que a CGTP-IN está fortemente empenhada.

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