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Entrevista ao Elo Colectivo

O Terra da Fraternidade realizou uma entrevista ao Elo Colectivo, projecto de cidadania nascido no concelho de Vila Franca de Xira e cujo o fim é a integração da comunidade imigrante através do ensino da língua portuguesa e interação intercultural.

Entrevista ao Elo Colectivo

TF- O Elo Colectivo é um projecto relativamente recente, pode apresentar-nos como surgiu, no que consiste e quais os objectivos?

EC: O Elo Coletivo é um projeto de âmbito social, inserido no movimento associativo popular, que procura apoiar a integração das comunidades migrantes recém chegadas ao concelho de Vila Franca de Xira, através do ensino da língua portuguesa.

São vários os possíveis desafios colocados aos que chegam em busca de melhores condições de vida.

Para além dos mais fáceis de identificar, relacionados com as barreiras criadas pela língua, pela situação social, acesso a serviços, etc., a situação político-social, em Portugal e na Europa, tem contribuído para o surgimento de ideias preconceituosas e atitudes hostis em relação às comunidades migrantes.

O domínio da língua é uma ferramenta fundamental para uma melhor integração, que ajuda a esbater obstáculos sociais e culturais, contribuindo para o empoderamento destas pessoas, a sua emancipação e o exercício de defesa e afirmação dos seus direitos.

Foi justamente nesta lógica que este projeto foi criado. A vontade de nos mobilizarmos para dar um contributo no sentido da transformação, integração e empoderamento, tendo por base o ensino da língua portuguesa.

Pretendemos ser um espaço de aprendizagem mútua, intercultural e geracional, ensinando a língua portuguesa através de uma experiência de dimensão coletiva. No fundo, um Elo Coletivo de aprendizagem. Um espaço que respeita a condição de cada um e que cria pontes entre pessoas, respostas sociais e movimento associativo.

Um espaço em construção, que se renova a cada dia, e que afirma que temos o direito de ser felizes no país que escolhemos, e que todos nós podemos aprender e ensinar.

Um espaço dirigido a todos.

TF- Neste momento encontram-se a trabalhar com imigrantes de que nacionalidades?

EC: Neste momento, a grande maioria dos participantes do nosso projeto chegam do continente asiático: Bangladesh, Nepal, Índia e Paquistão. Pontualmente, já tivemos participação de participantes vindos de outros países, como a Ucrânia e até América do Norte.

TF- Do que vão conhecendo a generalidade dos imigrantes são trabalhadores? estão integrados? Quais são os maiores desafios que encontram?

EC: A grande maioria ou está a trabalhar, ou a procurar trabalho. Temos ainda várias crianças que participam no projeto, que estão integradas nas escolas do concelho.

A integração num país diferente, em alguns casos muito diferente, é sempre um exercício de complexidade e origina desafios.

Como referido anteriormente, a barreira da língua traz consigo um conjunto de complicações: quer no acesso a serviços, na procura de emprego, nas burocracias, etc.

Alguns dos nossos alunos pedem auxílio na leitura de cartas e no encaminhamento para serviços. Ainda recentemente estivemos, juntamente com uma família, a auxiliar na matrícula de uma criança na escola.

Muitos dos serviços não estão preparados para a diversidade de pessoas que temos no nosso país. Isso é algo que tem que ser rapidamente alterado. Uma simples inscrição na biblioteca para aceder à internet é algo complexo.

Paralelamente, estas populações não são alheias ao contexto das dificuldades que os portugueses também enfrentam no seu quotidiano. A habitação é um dos problemas centrais, o preço das casas e a precariedade laboral. Fenómenos estes que ganham uma dimensão ainda mais complexa dentro destas comunidades, uma vez que se encontram por vezes numa situação desprotegida e com fragilidades sociais.

4- Sendo o Terra da Fraternidade um site inter -religioso, gostaríamos de saber como é o contacto entre as várias religiões com que certamente se cruzam? A religião pode ser uma ajuda à fomentação de laços de fraternidade?

A religião é algo muito importante para alguns dos nossos participantes. Temos alunos com religiões e convicções diferentes. O cruzamento entre religiões é feito com total naturalidade e respeito.

Os nossos alunos gostam de partilhar aspetos das suas religiões e tradições. A conclusão a que chegamos é que, apesar de diferentes, não são assim tanto. Todas elas defendem valores humanistas, de amor e solidariedade.

Nesse sentido, sim. Os sentimentos de amor e solidariedade e a esperança unem as pessoas e as comunidades.

Esta pluralidade é algo que também nos traz muita riqueza e potencialidades no campo da aprendizagem partilhada.

TF- O Elo Colectivo tem traços muito semelhantes ao que se passou na área da educação, da saúde e da habitação, após a Revolução, nomeadamente por um conjunto de profissionais disponibilizarem de forma voluntária e gratuita o seu saber, para contribuírem para uma sociedade mais justa, igual e fraterna.A vossa actividade guia-se por voluntarismo ou têm presente alguns dos valores de Abril?

EC: Somos sem dúvida um projeto de transformação e não de assistencialismo ou voluntarismo. A verdadeira solidariedade é a que emancipa o Homem. Queremos disponibilizar ferramentas para que estas comunidades se ergam, caminhem conosco lado a lado e de forma justa num Portugal livre e fraterno.

No pós 25 de Abril, muitos se mobilizaram para dar o seu contributo para uma sociedade mais justa, contrariando a herança pesada e destrutiva do fascismo português.

É curioso que a associação que nos acolheu tenha o nome de “Associação Alves Redol”. Alves Redol foi figura de enorme destaque na literatura portuguesa mas também no trabalho social que realizou na nossa cidade.

Foi um exemplo dessas pessoas, das que contribuíram para um Portugal mais justo e desenvolvido, com o seu papel de mobilizador das classes trabalhadoras, dando um contributo para a sua alfabetização, participação no movimento associativo, entre outras…

O 25 de abril trouxe esperança aos que o viveram, tal como nos traz esperança a nós. É um projeto de futuro!

Os sentimentos e vontades que guiaram esse conjunto de pessoas para transformar a realidade com os seus contributos, são os mesmos que nos guiam a nós. Obviamente num contexto distinto, com desafios diferentes, mas com a mesma vontade em contribuir e exigir um mundo mais justo para todos.


TF- Neste ano tão especial pela efeméride dos 50 anos do 25 de Abril e simultaneamente complexo pelos desafios que nos estão a ser colocados enquanto sociedade, qual é a actualidade que dão aos ideais de Abril e à Constituição da República Portuguesa na construção dum Portugal mais justo e humano?

EC: O 25 de abril é o projeto libertador e emancipador do povo português.

Foi sem dúvida o dia mais belo da história de Portugal. Há exatamente 50 anos, o nosso povo conquistou não só a liberdade, mas também a esperança da construção de um Portugal justo e desenvolvido.

A Constituição da República Portuguesa, inspirada nos valores de Abril, consagra em si um conjunto de direitos, deveres e garantias como: acesso à educação, saúde, habitação, … etc. Direitos que nos têm sido postos em causa.

No artigo 15, por exemplo, podemos ler: «Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.» Ao ler esta frase, facilmente entendemos o quão também longe estamos desta realidade.

Participámos, em conjunto com os nossos amigos da Associação Alves Redol, nas comemorações populares do 25 de Abril. Abril deve ser celebrado e cumprido.
E o seu cumprimento também passa por garantir que o que está escrito na Constituição do país seja de facto uma realidade.

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